Al Qabri Ramos

The Snowgoose






Lugares da alma

Vagueei durante algum tempo até descobrir,
ao acaso, onde me levava a alma. Esta alma
de viajante que tenho. E nem vais acreditar.
Todos os locais onde estivemos, tu e eu,
em que eramos cúmplices de coisa nenhuma
e do amor que se construía em mim.

Há lugares que se apagam, aos quais
não voltamos. Nunca mais. Há outros que
teimamos em repetir, nos regressos a nós
e aos outros.


Hoje regressei a ti, nos poucos quilómetros
que fiz contigo. Voltei a chorar a saudade
do teu sorriso e da tua calma. Da tua ternura
e do teu "amor". Tinhas sombras para mim
e eu precisava delas mornas e espontâneas.
A poesia dos meus dias que me trazia o sol
e me fazia acreditar nos amanhãs todos.

Fiquei parada com a música que ouvíamos
e os vizinhos daquele prédio não deviam
perceber quem fica num sítio a olhar o vago
horas infinitas e a desprender-se do tempo
como quem se desprende da vida.
Não me importei quando me viram o rosto
molhado e nem me importei quando me
perguntaram porque não ia eu à festa.
A festa eras tu. Num sítio qualquer, onde
quer que estivesses, deverias ter-me
ouvido chamar. Sei que sim, ouviste. E
sei que gritei, mas nada aconteceu.

Os lugares são pedaços de nós que
marcamos com vivências.
Decorei o contorno dos estores,
adivinhei a preparação dos jantares
por ali, vi-os sacudirem tapetes e
passarem a ferro nas marquises
transparentes. E também vi gatos
debruçados e carros com seres mal
dispostos que aguardavam que a
transeunte do veículo cedesse o
lugar de estacionamento para que
ali pudessem estacionar. Ela não cedeu.
Porque aquele lugar era dela.

E vi-te passar. Levavas o que deduzo
ser um livro e vestias uma
t.shirt preta. Talvez a mesma onde as
minhas mãos já tinham acariciado o
teu peito. Ou talvez outra. Vinhas de
casa da tua irmã, porventura.
Vestias uma ganga escura. Talvez a
mesma dos nossos domingos de verão.
Que nunca mais aconteceram.
Que te acompanhavam nas caminhadas
a pé que tanto gostavas. Calçavas uns
ténis. Não tos vi, mas adivinhei pelo
teu andar ligeiro. Não me viste.
Mas estavas em mim, sem saberes.

E porque há lugares que nos atraiçoam
e nos fazem regressar (como o de um
criminoso que volta à cena do crime,
das andorinhas que regressam
uma e outra vez ao ninho do ano anterior),
hoje estive no teu lugar e tentei
não fazer presença. Apenas amor.
Enviei-te amor nas vibrações do vento.
Só. Quero que sejas tão imensamente
feliz. Num recôndito da alma,
sentiste-me dentro. Era lá que eu estava.
E é lá que volto quando perco o chão.

Comentários

Arábica disse…
Obrigada pela partilha.
Nós somos também lugares.
Num outro tempo, num outro paralelo.
Beijinhos, boa semana. :)

Mensagens populares