Perturbação bipolar colectiva
As tradições já não são o que eram, se excetuarmos isto ou aquilo. Todos os miúdos querem ser super-heróis. Ninguém de carne e osso os atrai, como ídolos. Deus, também não! Os homens querem sempre "vestir" uma mulher loira. Longe de imaginarem as dificuldades que existem no dia-a-dia, ao serem mulheres e, sobretudo, loiras. É um mercado contaminado. Olhamos a folia dos brasileiros e invejamos a paciência e esforço das longas horas de exposição ao sol e quilómetros no sambódromo. Por cá, vamos copiando um pouco do Carnaval vivido em todas as latitudes. Desde a nacional (houve quem se vestisse de computador Magalhães ou de Sócrates e isso não é novidade, nem tão pouco de Obama). O frenesim das músicas e vestimentas deixa-nos tontos, a nós, os mais preguiçosos que detestamos bulir uma palha em tempo de férias. Aos mais cépticos, que a crise roubou o último fôlego. Mas esta crise também esteve presente no Carnaval. Antes havia mais cabeçudos, mais gigantones, mais tradições de humor em terras lusas. Ontem assisti a mais um update do entrudo, no lugar de Genas. A quema dos velhos, vestidos a rigor. Tem graça mas nem tanta. Tudo desaparece e a gargalhada também. Quando o casal vira cinza de mais um entrudo passado. E um pouco por todo o lado, o carnaval vai mostrando caretas e mascarados. E escondendo a dor e o medo, a desgraça e o desemprego, a fome e a miséria. Não é só no Brasil que as favelas saem á rua. Por cá também. Como esquecem as pessoas por dias, por horas, todos os seus gigantescos males?
Em Veneza, as máscaras desfilam em bailes, os mascarados concorrem a prémios e o humor é pouco mais do que o que se encontra na vivência diária. Ninguém ridiculariza a mafia. Por cá, a crise das gargalhadas esteve presente ? Não sei, ouso acreditar que a nossa memória selectiva funciona nessa área, eliminado os maus momentos. Fazemos uma espécie de pausa, para voltarmos ao ódio de viver os dias iguais de queixumes, lá mais pra frente. O desemprego desfila, junto com a folia, com o Freeport e a comitiva fedorenta. Afinal, que carnaval queremos nós? Serpentinas e pé cochinho? Bombinhas de mau cheiro e espirros de pimenta? Férias e sol no algarve? Um spa em Tabuaço a ver o rio? Esquecer que o quotidiano existe impregnado de problemas a todos os níveis. Em Valongo, aqui perto, a perda de tradições é lamentada. A tradição de queimar os velhos, de arrumar pra escanteio o desusado, o que não presta - acredito que esta tradição possa ter a ver com a mesma de fim de ano em Braga, de jogar pra rua tudo o que está partido, escanado, parado, tipo relógios, loiça que já viu melhores dias, cinzeiros e taxos sem tampa, tupperwares e vasos secos, numa espécie de crença de que tudo o que está estragado nos atrasa a vida... Apesar de, em alguns lugares e vilarejos, se manterem tais tradições, esta através do fogo, o velho, o doentio, o fantasma, o nosso eu mais antigo, continua connosco, em brasa mas sem nunca chegar a cinzas. Somos nós, intactos, por detrás de máscaras, escondidos e perdidos dos outros nas nossas vontades e temores mais antigos. Estaremos nós a demenciar? Não, não podemos nos limpar através do fogo. O entrudo mantem-se como um sinal de que a evolução só a Darwin diz respeito. Quem vai carnavalar (sinónimo de dançar) somos nós quando o futuro chegar e continuarmos em Carnaval vivo...
Era bom fazer Carnaval num país sem crise.
Comentários
beijos
o teu olhar atento aliado a essa tua facilidade de comunicação, dá-nos sem duvida uma boa foto do nosso interior mais ou menos carnavalesco.
Assiti de passagem a uma banda de fanfarra num jardim. Elogiaram se os músicos, mas os semblantes eram sérios...
Aqui e ali vai-se perdendo a capacidade das máscaras...e ainda bem.
Um beijo, bom domingo!