Al Qabri Ramos
Antigamente era fácil
falar de rotinas ou de cansaços,
de olheiras e de corpos partidos,
porque nada disso me deixava mal.
Na segurança do amor ou
no escaldar da paixão
não cabem queixas ou indagações.
É um quebrar de corpos sem dor,
um esgotar de horas noturnas
onde a rotina do teu suor
na minha pele causava
dependência do prazer,
mamilos espetados furando
a palma das tuas mãos,
ancas viciadas no samba
dos teus quadris, num ir e vir,
beijos que caíam, desabavam
por pescoços e bocas
por coxas e olhos.
Equiparava as tuas palavras
sussurradas e sedutoras
aos murmúrios de fundo
das conchas do mar,
à brisa redentora
do final da tarde na colina,
antigamente eras o mel
que me adoçava os dias.
É por isto que escrevo,
com receio de que as minhas
memórias se percam no fundo
do mar que já não somos,
numa demência de rituais
e febres, num transladar
de novas direções e objetivos.
Sou eu a praguejar, ainda viva,
ainda presente nos meus
deslumbramentos acerca de ti.
Ainda presa a momentos de luxo
nesse tal planeta de afetos
onde o teu nome em néon
ilumina corredores e salões,
esquinas e ruas convexas.
Se te doer o presente,
grava-me editada em mp3,
pra que possas continuar
a viver do passado que já fomos,
tu e eu. Mas nesse dia jorra-me
pétalas em cima e beija
o rosto já manchado de
humidade, logo abaixo
onde diz: Aqui jaz Saudade.
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