Greve geral a 22 Março




Fazer greve não é baldar-se ao trabalho, fazer greve é muito mais que isso, fazer greve é dizer que quando vendemos a nossa força de trabalho, as alfaces que plantamos e colhemos, as letras que ensinamos, os sapatos que sabemos cozer, o chão que sabemos limpar, o lixo que recolhemos, o parafuso que apertamos, os papeis que arquivamos, o tijolo que assentamos entre creme de cimento, o comboio que conduzimos, a camisola que vendemos, o embrulho com fita azul ou rosa, a fralda que trocamos ao idoso ou à criança, o autocarro que conduzimos diariamente, cheios de iguais a nós, pessoas que vendem o que sabem fazer, vendem todos os meses para comprar isso, alfaces, sapatos, parafusos, pagar um tecto um abrigo, o caderno onde os nossos filhos aprendem as letras, o pão, o pão de cada dia de todos os dias, mas por vezes esta troca torna-se insustentável e arquivar papeis todos os dias ou cozer sapatos, dar injecções ou vender camisolas, torna-se mais ou menos um trabalho escravo, onde mudam os nossos dias de descanso, as horas de trabalho, as de inicio de trabalho, as de fim de trabalho, podem ainda mudar o local de trabalho, e no fim, no final de cada mês o preço que nos pagam ou paga a alface ou o abrigo, o remédio ou o sapato, o bife ou a injecção, e dado que não é possível viver em meio tecto, andar só com um sapato, ensinar só as vogais e os números primos, não é justo nem inteiro, e então pensamos o que fazer, primeiro arranjamos forma, compramos alfaces pequenas, pagamos as contas urgentes, engraxamos os sapatos velhos e vamos seguindo assim, depois vemos que não somos só nós, são todos ao nosso redor, pelo menos todos os vivem assim de vender o que sabem fazer, e mais ainda vemos que cada vez mais alguns de nós ficam parados em casa, com as mãos vazias, impotentes, sentindo-se um pouco culpados ou diferentes, outros olham para o pouco que tem para uma vida passada de trabalho que lhes deixou queixas várias, dores difusas, falta de liquidez para as alfaces, e então tentamos falar, não nos escutam, depois gritamos na rua e dizemos de nossa justiça, e não nos escutam, depois pensamos assim, há qualquer coisa que posso fazer, posso não apertar o parafuso um dia, mesmo que isso implique receber menos esse dinheiro, do pouco que já temos e que nos falta para as alfaces, podemos mostrar que fazemos falta, que um dia sem comboios, sem autocarros, sem papeis arquivados, letras ensinadas e lixo recolhido faz diferença, que fazemos falta, que exactamente porque queremos trabalhar, todos, queremos sapatos para todos, alfaces para todos, leite para todos, letras para todos, o direito a sorrir a sonhar com o futuro, e porque não queremos outro caminho que não seja este delineado por quem não tem problemas com o preço das alfaces, quem nunca apertou parafusos, quem nunca trabalhou e não dá valor nenhum ao trabalho, como nós damos, nós os grevistas…    



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