Ópio, maldito ópio...




Logo que passe a monção
Auto da Pimenta




Num banco de névoas calmas, quero ficar enterrado
Num casebre de bambu, na minha esteira, deitado
A fumar um narguilé, até que passe a monção
Enquanto a chuva derrama a sua triste canção
Sei que tenho de partir, logo que suba a maré
Mas até ela subir, volto a encher o narguilé
Meu capitão, já é hora de partir e levantar ferro
Não me quero ir embora, diga que foi ao meu enterro
Deixem-me ficar deitado, a ouvir a chuva a cair
Que ainda estou acordado, só tenho a alma a dormir
Como a folha de bambu, a deslizar na corrente
Apenas presa ao mundo, por um fio de água morrente
Nos arrozais morre a chuva, noutra água há-de nascer
Abatam-me ao efetivo, também eu me vou sem morrer
Para quê ter de partir, logo que passe a monção
Se encontrei toda a fortuna, no lume deste morrão
Ópio, bendito ópio, minhas feridas mitiguei
Meu bálsamo para a dor de ser
Em ti me embalsamei
Ópio, maldito ópio, foi para isto que cheguei
Uma pausa no caminho,
Numa névoa me tornei...

RUI, grande Rui Veloso

Comentários

Mensagens populares