Almerinda Gaspar

 










A rotunda ausência do teu amor

Que é o amor senão tudo?!

Sempre soube que trazia dentro de mim e para os outros, 

amor incondicional

mas e eu??? e o meu amor? E o meu coração

e o meu estar bem? e o meu ser feliz? 

e a minha alegria

que me foi roubada? 

Procuro-te,

confundo o dia com a noite

vou entre paredes e sombras

ao wc, à cozinha

os gatos penduram-se nos bolsos

do meu roupão, 

entre as pernas despidas,

os pés descalços e o chão,

a música consome-me

o tempo de não te ter,

e no soalho macio e frio

até lá te vejo, te encontro

e quando fecho os meus olhos,

vejo-te e, meu Deus,

choras como eu,

mas não por nós, choras, quem sabe

por outra, o cigarro queima

e o fumo ascende e o meu riso geme

grita, chora

e Deus chama-me para a cama, 

que não como nada,

que na mesinha de cabeceira

despencam os dejetos do arrastar da vida

desta vida que se agarra ao passado,

a esperança e a dor convivem comigo

nem acendo as luzes

desta madrugada obscura

só te vejo a ti

dois olhos

lanternas na escuridão

e teimo e choro e revolto-me

mas meu amor,

contra mim, só contra mim

Alcanço o lugar

da sabedoria de mim,

qual anjo qual querubim,

reencontro o meu espírito de missão

mas e tu? e tu? e que faço eu só?

que faço com o meu coração?

Ajoelho-me em jeito de desistência e confissão

Ajoelho-me e indigno-me e revolvem-me as entranhas

que escuro é o mundo sem ti!

Que cruel não te ter, eu que tenho todos os idos

comigo, que me beijam o rosto

que me alisam as rugas

e me asseguram que os lenços de papel

não chegarão para tanta lágrima!

E não me ocorre mais nada

se nasci quando te vi

pela primeira vez

se cresci em ti, nos teus braços

se tantos foram os dias que acordei e deitei-me a teu lado...

porque não morri eu, quando escolheste partir? 

Como pude continuar cega depois de ti, viva

depois da tua saída! Que crimes terei cometido para,

depois de tanta dor e sofrimento, de tanta entrega e discernimento

acordar para esta dura realidade! Os deuses que me

acompanham, os que se deitam comigo e me limpam 

as dores, todos me prometeram que depois do castigo, 

depois do sacrifício, virias tu! E eu já tenho duzentos anos

já fumei este planeta e o próximo, já me maltratei

tanto! A fé renova-se todos os dias

mas quando é hora de fechar os olhos,

de deitar na almofada, tudo o que vejo

és tu que choras longe de mim!

Não quero bolachas, chateiam-me as

preocupações com a minha saúde ou a falta dela. 

E porque não me perguntam e o amor? então e o amor?

O Che não dorme, a Mimi olha-me com pena

O Nico ressona, a Minie cobre-me o rosto e arranca-me suspiros

Pudesse ser um destes animais, pudesse ser tempestade 

vulcão, fratura, terramoto, e largar todos os ais

noutra dimensão

quero-te

não me queres

mal me quer bem me quer,

não me quer mais

e ainda me sobram 3 cigarros, a medicação

que não tomo

Não quero acordar,

não posso dormir

não sei partir

nem deixar de te esperar.

E doi tudo,

tomar banho

não tomar,

ir às compras, passear

sair

sair

para dentro de mim

onde te tenho algemado

perdoa-me não te esquecer

não te saber esquecer

não conseguir te esquecer

não me perdoar por não te esquecer!

Isto é a rotunda, a última, a última rotunda

da minha vida

aquela que não posso largar.

Ainda há poucochinho me pareceu

ouvir-te chegar, ainda há alguns segundos

pareceu-me ouvir-te dizer: doce, estou a chegar

mas não, não chegas, não chegas nunca mais

são os anjos que choram por mim lá fora

Onde estás, oh meu amor?

E descobri,

não há coincidências, não há

descobri quando te pedi a Deus e

pudesse voltar atrás, eu tinha 13 anos

quando te pedi, 

pudesse não te ter sonhado

e se não sou merecedora

porque vieste oh estrela

porque partiste estrela

e me deixaste aqui?

Parte este e aquele

e aquela,

todos partem, os que me podiam agora

dizer que eu Poderia desenhar as estrelas que quisesse

e que poderia sonhar com um cometa, Deus me daria

mas

quem 

teve uma estrela

como tu

jamais almejaria outra que não tu

e este julgamento que não vem

e esta dor que fica

e a vida que paralisa

e a minha vida, ai a minha vida

eu que vim ao fundo do poço

empurrada por tantos

que diziam ser meus amigos, eu 

que não me importo de estar neste poço,

mas ah

se ao menos este poço pudesse

apagar a memória

de quem tu és, da importância que tens

do teu sorriso

do teu olhar

saudades 

tantas saudades

da menina que eu fui

que desenhava milagres de amor para os outros

e que só precisava de uma estrela.

Quão vazio se tornou o meu mundo sem ti

quão assustador imaginar o futuro

neste corredor, neste poço, nesta noite, neste coração

E se eu ao menos tivesse o pote de 3 pernas, iria colher sanchas

porque a vitela já está a descongelar

o estufado que o Tomás tanto quer

com ervilhas e tomate e cenoura e batata a desfazer 

e arroz seco a acompanhar,

que saudades de um arroz de sanchas

que saudades do cabeço

que saudades tenho eu do meu amor

e grito em silêncio

e é o dobro do esforço

e dói

e não para a dor

que eu quero calar

sossegar

dar colo

adormecer a dor

embalar, ninar e adormecer

com xanax, alprazolam

dorme, dor, dorme

que a menina precisa sorrir

deixa a menina em paz

ela não nasceu pra sofrer

e

são cinco e meia

e daqui a nada é dia

mas a noite continua a chorar comigo

e o bisavô na parede olha-me

nem sei que diria

se pudesse abandonar a moldura,

ele que recebeu comendas por altruísmo

que diria o bisavô da piedade encostada a mim?

Paizinho, leva-me

leva-me pai

Assim, faço birra e não vivo!

sem o amor dele não quero cá ficar



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