A história das minhas mágoas, sem ti

 


Capítulo Primeiro

A vida é uma jornada e cabe a cada um de nós trabalhar para que tal jornada ocorra dentro do melhor, para nós e para os outros. Não nascemos neste mundo para sermos ermitas, uma vez que somos seres bio-psico-sociais. Soube bem cedo o que era perder. Perder afetos seguros, perder. E a perda traz-nos, para além da dor, ensinanças, lições que devemos refletir e acondicionar, para poder servir-nos, ser-nos útil no percurso da nossa vida. 

Quando somos jovens, acreditamos na imortalidade do corpo e nem refletimos sobre a alma, na maioria das vezes, nem acreditamos que a alma sobreviva ao corpo. Pelo menos, não pensamos muito nisso. 

Depois de ter perdido portos seguros, de ter sido sujeita a condicionamentos face às perdas e por análise constante a mim mesma, cedo soube que não me encontrava entre os jovens "imortais" destituídos de alma. A minha intuição sempre foi gritante, sempre me avisou de perigos e de situações boas. E eu costumava ouvi-la. Quando é que deixamos de confiar na nossa intuição? No meu caso, foi a entrada de uma pessoa menos boa nas minhas relações afetivas. Estava o meu filho a concluir os seus oito anos.

Permiti a entrada a uma pessoa estranha, ignorante, rasa, posso avaliar hoje, sem carácter e sem escrúpulos na nossa vida familiar e de trabalho. Não sabia, ainda, o protagonismo dela na minha vida. Hoje alcanço com bastante clareza a grande lição que essa pessoa me trouxe. A não confiar nos humanos. A não crer na inocência de ninguém, exceto na minha. Mas, enganam-se os que pensam que aprendi. Não aprendi. Tenho uma alma transparente, dedicada e motivada ao bem. Porque teimamos em crer que os outros são iguais a nós! Desenganem-se os que, tal como eu, pensam assim. Isso existe, é claro, e chama-se reciprocidade. Sentimento esse que não se refletiu com a maioria dos meus relacionamentos afetivos. Muitos me tomam por palerma, tola, bondosa, até aos dias de hoje. A esses, mesmo sabendo a minha intuição de quem eram, o que queriam, como procediam e para alcançar o quê, não desisti deles. Acreditei sempre que o bem vencia. Meus caros, o bem vence em nós, mas não o bem dos outros. Conheci pessoas boas, verticais e transparentes como eu. Acreditem que se fizeram raras tais almas, sendo que algumas delas já partiram. Das quais não passo um dia sem as lembrar, reconectando o sentimento e honrando a herança que me legaram, ao fazerem parte de mim, de quem sou. Muito por elas, continuo a sentir-me bem, estando só. Nunca estou só. Sempre me acompanham. Acreditem ou não. Não estou a escrever a história da minha vida para vos distrair ou ganhar créditos, seja, lá o que acreditem desse lado. A minha intenção, para além de trazer luz e compreensão humana a vulnerabilidades também elas humanas, é a de trazer-vos advertências e partilhar experiências de vida que nos conduzem ao melhor de nós. Sendo que o melhor que temos é para ser partilhado. Seja o que for de bom. As coisas más ninguém quer partilhar. 

Essa pessoa, aparentemente inocente, dada a sua inexperiência de vida, já trazia o ardil na bagagem. É assustador pensar que aos vinte e nove anos de vida (ela teria vinte e um ou vinte e dois) podemos conhecer alguém tão malévolo que nos engane na avaliação de carácter e, comigo, assim foi. Eu fazia parte de uma banda musical, junto com o pai do meu filho, e a dada altura foi requerida a presença de alguém para coros, vozes em palco. Ela entrou, humilde, sem estudos, mas com uma vontade enorme de luzes de palco. Afinal, qual é a menina que não sonha ter um palco só para si? Ela ganhou o espaço todo, no palco e na vida do pai do meu filho.

Ela depressa se foi revelando e eu vi isso, junto de todos os membros da banda. Tentando ganhar a confiança de uns e de outros. Até hoje, desconheço porque aceitei que me tenha pedido para passar uns dias em minha casa. Porque já a tinha visto fazer o jogo de malabarismos com todos, mas não tinha visto ainda, fazer isso com o meu companheiro de vida e pai do meu filho. A questão é que eu permiti. Fiquei chocada com os avanços da criatura, bem na altura do seu aniversário que creio e ainda não tenho a certeza, seria a 12 de Março. Foi por volta desse dia que a dita criatura (se não lhe chamar criatura, terei que lhe chamar o nome que ela merece, mas eu é que não mereço descer ao nível de tão medíocre e malévola personagem). Na véspera de se ir embora, pediu-me uma lingerie emprestada, pois na sua bagagem, tudo o que tinha era já roupa suja, bem suja era ela, mas convenceu-me. Emprestei-lhe. A malvada foi embora no dia seguinte, lembro-me que se fartou de repetir que me devolveria a dita lingerie. Não falei mais no assunto, mas ela insistiu. Uns dias depois, devolve-me a mesma, completamente recortada, aos pedaços. Era uma bela lingerie, azul-turquesa, com umas pérolas no soutien e na cuequinha. Escusado será dizer que veio desmontada e pronta para o lixo. A minha mãe testemunhou esse evento e na sua experiência de vida me garantiu que eu teria sido vítima de bruxaria. Não passou muito tempo para que o meu companheiro se fosse embora. Eu era a pessoa responsável por assinar os contratos da banda e por realizar os mesmos junto das comissões de festa. Haviam chegado os novos posters com a fotografia ao meu escritório e eu não tinha estado presente aquando da mesma fotografia para os ditos posters, a serem distribuídos pelas comissões de festa e câmaras que desejavam contratar a banda, Bailarte, cujo nome foi atribuído por mim. A ironia da vida. Que se viria a repetir, anos depois, da mesma forma. Não gostei da foto. O meu companheiro tinha um lenço de mulher na mão e isso foi um sinal para mim de que os meus receios não eram infundados. E assim foi. Não sobrevivemos nem mais um mês aos avanços da cobra. 

...



Eu a promover a carreira musical dos novos talentos


(continua ...)


Capítulo Segundo

E continuando...

Dizer-te que durante o dia penso em ti um milhão de vezes, durante o meu estudo.

Acrescentar ainda que à noite, a coisa é pior, a noite não passa, os relógios param e eu procuro os nossos momentos de há vinte e cinco anos atrás e não consigo lembrar-me de maus momentos contigo. A minha memória podia estar a atraiçoar-me, mas não, Faustino. Vivemos treze anos juntos, tivemos um filho juntos, sim, porque entre o eu ter e tu me assistires, nunca estive só. Quando tive o menino, depois de me deixares na maternidade, eram 21.09 da noite e tu estavas no elevador e sentiste quando o Rui nasceu. Entraste em nossa casa e tinhas a chamada da maternidade. Sim, tu estiveste grávido comigo. Lembro-me de uma vez que ficamos zangados a sério. E nos separamos. E pouco tempo depois, estávamos juntos outra vez. Voltaste com um poema na mão, mas escreveste-me tantos. Gostávamos da nossa vida, dedicada à música, à eletrónica e aos meus estudos, os teus estudos autodidáticos de eletrónica e as tuas invenções de mais aparelhos e mais projetos, ao nosso filho que também tocava. Uma vida perfeita, era uma manifestação de harmonia. Sempre fui feliz, contigo. Até ao dia em que essa menina mulher entrou em nossa casa. Qual cobra, tendo premeditado tudo, o que iria fazer, como iria fazer, só me resta descobrir se teve ajuda do António Sérgio que se dizia meu amigo. Acredito agora que nunca tenha gostado de ti. E sim, eles eram amigos. Por coincidência? Não saberia dizer, mas hoje custa-me a crer nessa coincidência. Há coincidências? 

Sei apenas que depois, entre o tempo que mediou ela ir para nossa casa e me ter pedido uma lingerie e me ter devolvido, falamos? Não me lembro! Tu estarias preocupado com assuntos do atelier e eu preocupada com assuntos das bandas, os posters, os cd's, as demo's que chegavam de outras bandas, os contratos e as comissões de festa e o Zeca Afonso, o nosso cão que sorria e que acompanhava a minha mãe à paragem de autocarro. Ele tinha sido atropelado e eu assistido ao seu atropelamento. Passaram-lhe por cima e quando viram que ele ainda se mexia, voltaram em marcha atrás e passaram novamente. Lembro-me de ter ficado nauseada e correr com ele para o veterinário e quando tu chegaste ao fim do dia, teres-me encontrado aninhada no escritório, o Zequinha com o candeeiro na cabeça e o soro nas veias e os posters dos Bailarte na minha mesa, onde todos haviam ficado bem, mas o que destoava no poster era o lenço dela na tua mão. 

Disse-to. Lembro-me de to ter dito. E também me lembro de ter falado com o Alcino e com a Diana na sala, no fim de semana seguinte. 

Não me conformo de não termos falado sobre o assunto. A maldade dela estava instalada. Nunca superamos. Nem eu e nem o nosso filho. 

Que começou a adoecer, a largar a bateria, a desinteressar-se da música, revoltado por eu e o pai estarmos separados. Foi isso que aconteceu. 

Lembro que foste viver para as Saibreiras, na mesma cidade! Porque não foste tu para longe? Lembro que de cada vez que o Rui se zangava comigo por qualquer razão, bastava um não na altura, tão baixa era a sua tolerância à frustração e dizia-me: -  Mã, já fiz a minha mochila, vou viver com o meu pai! - Eu concordava com ele, dizia que sim, que o levava e ele chegava ao pai, a casa do pai e ficava doente. A menina mulher era gélida com ele, embirrava com tudo o que ele fazia ou dizia e comprava-lhe prendas para se defender da possibilidade de lhe dizerem que ela não gostava do menino. Não, ela nunca gostou do menino e em casa, nas refeições, quando ele saía da mesa e podíamos falar à vontade, eu dizia: as coisas vão melhorar, tão logo ela seja mãe, pois vai compreender que criança nenhuma deve pagar pelas nossas inseguranças e imaturidade! E demorou muito e o Rui continuou doente, a fazer alergia, já antes de ir. E tudo lhe passava assim que voltava para a mãe. Foram muitos anos assim. Recordo-me, já morávamos em Costa Cabral no Porto, estava à espera que me viesses trazer o menino, apareceste tu e ela na carrinha, ele trazia o dossier da escola na mão e quando fui buscá-lo pela mão, essa mulher enlouquecida a insultar-me e a tentar sair pela janela da vossa carrinha, louca, completamente desestruturada, insultos que nunca ouvi de ninguém, só da boca dela. Quem é ela? É uma mulher frustrada que vive bem com o mal que faz aos outros. Em vinte e cinco anos, nunca falamos. Sobre o nosso filho. Ela não permitia. Porque imagino que te armasse escândalos e discussões feias. Não me surpreende o desfecho! Sempre vi o que ela pretendia. Subir para o palco, ter quem a ajudasse a subir e a transformasse numa estrela: E sei que fizeste o melhor que pudeste por ela. Sei porque sempre foste humano. Sensível e dedicado. E agora traído e magoado e explorado. Faustino, a minha vida não correu melhor. Porque não lutei eu por ti?

Porque não a esbofeteei quando me entregou a lingerie recortada e não a expulsei de casa? Porque me conformei? Porque acreditei que pudesses te ter apaixonado por ela. E só isso me demoveu de lutar por nós. 

Passaram muitos anos. Vinte e cinco anos. Aos meus vinte e cinco anos, ainda estávamos juntos. Estive com o Paulo. O nosso amigo Paulo, baixista da banda. Ele contou-me que havia sido ele a levá-la para a banda. Curiosamente, sempre associei a ida dela para a banda pelas mãos do Ivo, o verdadeiro vocalista da banda. Soube pelo Paulo que não, tinha sido ele o responsável, mas até me disse que não sabia de nada, até se dar a coisa por concretizada. Não sabia de vós. Eu sabia dela. Sabia das suas intenções e de como se tentou aproximar dos outros membros que nunca lhe deram importância e nem lhe acharam piada. 


Na verdade, ela aniquilou os melhores anos da minha vida, partiu o meu sonho em pedaços, a minha família, a minha vida. Devo a ela tudo o que recebi depois. A ela lho devo. E não lhe desejo mal! E pergunto-me como é possível???

Sendo. Ela é mãe de duas meninas que não têm culpa das maldades dos adultos. 

Aqui há uns meses, depois de teres acompanhado o nosso filho aqui, em Agosto passado, fui ao canal dela no youtube e despejei um pouco da raiva que me causou saber que te tinha traído e não suportava saber que te fazia mal! A vossa filha respondeu por ela e o meu coração ficou apertado, pensar que não gostaria que ela tivesse feito mal ao meu filho. Sei que fez. E sei que andou atrás dele, por telefonemas e mensagens depois de vocês se terem separado, para ver se controlava a tua vida. A nobreza do Rui espanta-me, mas não me surpreende. O coração dele é muito semelhante ao teu. E ao meu, também. Não há rancores nem raivas. 

Apenas mágoas que se colam à pele e caminham e envelhecem connosco. Ás vezes eu não sou eu. Sou apenas as minhas mágoas. Sou a injustiça que cometeram comigo e não o produto dela. Sou a sombra de quem fui. 

Grande bruxaria essa que ela conseguiu! O que utilizou para conseguir que eu me mantivesse afastada de ti?

Lembro-me de quando fui para Inglaterra, te ter encontrado no café Dragão e de te ter dito que olhasses pelo Rui que lhe deitasses os olhos mais amiúde. Porque não saberia quando ou se voltaria. E pareceu-me que os teus olhos sorriram, tal como os meus. Uns anos atrás, estacionei o carro em Alves da Veiga, como sempre fazia e faço de cada vez que vou ao Porto, e fui levar o lanche ao Externato do Rui. Vinha do café Sítio para o externato e vi um homem caminhar na direção oposta e esse homem eras tu. Eu já via mal e ainda não tinha corrigido nem os óculos nem sido submetida a cirurgia para correção, mas caiu-me tudo! Tremi, gemi e quase me espatifei no chão. De tanto olhar para trás, para me certificar que eras mesmo tu!!

Sabes, nunca morreste e nunca te tirei do pedestal. Sempre foste o tal. Tu és o tal. Aqui há muitos anos, na graça de 2006, numa crise grande de choro e depressão, eu pedi ao meu pai que me trouxesse o teu sorriso, que te devolvesse à minha vida. Um sonho que eu gritei, de tão injustiçada me sentia. 

Faustino, acredito que o que se está a passar agora tenha o dedo do meu pai e do meu avô que foram as únicas testemunhas da minha dor desde que te perdi. A espiritualidade não nos quer separados. Tu sabes. Sei que sabes. E que receias as maldades dela. Sim, temos que admitir, ela é perigosa e maquiavélica. 

Lembro-me de ter ido visitar algumas vezes a Almerinda e a Almerinda Júnior a Valongo, a minha Marcelina, e a minha sogra me ter dito que nunca tinha gostado dela, que tinha tentado, mas não conseguia e acredito que se enganou a chamá-la pelo nome. Trocou o nome dela pelo meu. E que ela não gostava dela. Na verdade, se ela tivesse conhecido a tua mãe mais cedo, sabia que ela se enganava até com os nomes dos filhos. E quem sabia isso, ou corrigia ou ria com ela. Tenho saudades da minha tua família, tenho saudades de Castelo, de Moimenta, da Granja de tudo, mas do que eu mais tenho saudades é de ti. 

Sei que ela lê o que escrevo e sinceramente, estou-me nas tintas para a bruxaria dela ou os desejos dela. O meu pai garantiu-me que a forma de resolver esse obstáculo na minha vida é ela também se apaixonar, ela também sofrer por amor e aprender a dar valor. Já pagaste o carma. Tudo quitado. Voa. Mesmo que não seja para os meus braços, ainda que nem sinta mais o teu sorriso dirigido a mim, o conselho desta amiga que fizeste para a vida, foge dela e dos seus planos maquiavélicos. Faz uma cruz. Recomeça, respira, volta a lembrar-te de quem és! Porque Tu ÉS. Amo-te muito. Estás no meu coração para sempre, para além desta vida terrena. Quero-te muito bem. Tenho-te muito amor. És o grande amor da minha vida. O único. O Todo.

E agora, volto aos meus estudos até às duas da manhã e só depois, apago a luz e tento esquecer-te, levando-te para os sonhos. Cheers my dear. 




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