O diabo e o perdão
O diabo não existe. Ou antes, existe em todos nós. E ele vive e alimenta-se dos nossos defeitos e escolhas. O meu diabo sobreviveu à custa de ilusões, de acreditar nas mentiras dos outros, ou antes, de querer acreditar que as pessoas se melhoravam. Não só não se melhoravam, como ainda, inconscientes e ingratos, me tentavam manipular, enganar e prejudicar. Assim foi.
Agora, a introdução do perdão. Ele acontece e quando não, o sofrimento é todo nosso. Não deixo que esse diabo possa anular o que de melhor trago que é o amor incondicional ao todo e a compreensão de que nem todos estamos no mesmo nível de existência, de aprendizagem e de percurso.
No meu casamento, fui abduzida, tal qual como estou a dizer. A abdução é a aceitação de que o outro se sobrepõe a nós e não nos permite sermos quem somos. Sim, eu fui abduzida. Logo após o enfarte, meses depois, fui viver com ele. Nele, encontrava, de alguma maneira, a minha proximidade a Deus, à minha espiritualidade. E tentei sempre ver o bem nele, aliás tento sempre ver o bem nos outros. Não procuro o mal, evito-o e recuso-o. Acreditei nele como acredito em mim. Por isso, casei. Acreditando que ele poderia ser o companheiro que comigo envelheceria. Dizer que não gostei dele seria mentir-me. Mas não o conhecia. Não o conheço. Vivi dois anos nesse casamento que me arruinou, me derrotou, me levou, não à cura do enfarte, pois a alta hospitalar só veio quando ele saiu da minha vida. As extrassístoles agravaram durante o nosso casamento.
Tentei um resultado melhor com a pessoa errada. Ele nunca foi quem eu acreditei, até estarmos casados. Depois vomitou-se em cima de mim e dos meus. E queria que eu fosse e quisesse o que ele queria. Logo, sem qualquer respeito por quem sou, dei-me conta que não era amor. Era outra coisa.
Dizia-lhe repetidamente: eu não sou essa. Essa é quem tu queres que eu seja. Ele ria-se, um riso medonho de escárnio. Cheguei à conclusão que sempre me enganou. Não me traiu só com outras pessoas, também me traiu com a forjada ideia de ser boa pessoa. Ele não é boa pessoa, para mim. Eu podia ter reparado melhor, a questão é que eu não queria que ele fosse mau, precisava de acreditar que ele era um homem de fé, um homem generoso e inteligente. E ele é isso tudo. Não para mim. Acreditem que foi um processo doloroso, olhar de frente o homem em quem confiei e que nunca foi digno da minha confiança. As pessoas revelam-se nas circunstâncias e ele foi-se revelando. O tempo passava e mais eu era obrigada a ver. Um estranho em minha casa, um estranho a partilhar da vida da minha família, dos meus filhos, um perfeito estranho e eu uma perfeita idiota.
Recordo-me de me ter entregado ao projeto do restaurante com afinco e nunca havia trabalhado em hotelaria. Descobri que gostava e que era capaz de fazer qualquer coisa, assim o quisesse. Nesses dois anos de restaurante e de casamento, dizer-vos que, mesmo quando a traição estava ao meu lado, eu recusei ver. Queria, efetivamente, paz. Era tudo o que eu queria. O homem que eu tinha ao meu lado criticava todos, dizia mal de todos. Lembro-me de ter desabafado com o Eduardo, o homem do talho que ia tomar café todos os dias após almoço e que era testemunha do mau feitio dele contra os penafidelenses, lembro-me de lhe dizer: Eduardo, tenta ser amigo dele, tenta reverter a situação sobre a opinião que ele tem das pessoas daqui. E ele dizia-me: Não te preocupes. Ele vai mudar! E mudou. Mudou. Deixei de o aturar dizendo mal dos outros. A partir daí, passei a ser o bode expiatório dele. Dizia mal de mim e da minha família a mim. E aos outros. Porque ele é ignorante, é desbocado, foi um homem que teve um passado feio, cheio de oportunismos e de leviandades. Não se respeitava, não respeitava a própria progenitora (nem ela a ele), como haveria de me respeitar?
Quando temos uma infância difícil, ou lidamos com as frustrações de frente, ou corremos vários riscos. O primeiro de nos tornarmos escravos dessas situações e nos ferirmos a nós, o segundo risco, o de magoar os outros. E a repetição de padrões aprisiona, ficamos reféns dos maus momentos. Escravos dos desafetos. Assim é, com a figura em questão. A violência doméstica foi a realidade deste homem que se refugiava na igreja evangélica para não ver o pai ofender e bater na mãe, que todos os vizinhos albergavam pela sede de amor e compreensão que ele sentia. Ele mendigava os afetos, tornava-se mais um membro da família e foram várias a quem ele recorreu. talvez lhe admirassem a inteligência que ele possuía. Foi bebendo da vida dos outros e estaria tudo bem, não fosse a necessidade que tinha de ser o centro das atenções. Sempre procurou o brilho!
Lembro-me que simulava desmaios dentro do quarto, atirava-se para o chão. A primeira vez que o Tomás assistiu a isso, veio ter comigo preocupado. Logo se deu conta da neurose dele, que era tudo fingimento, que era tudo manipulação para que lhe fizessem a vontade. E o que vejo nisso tudo, não é doença. E não tenho pena e nem misericórdia dos fingimentos. Sei que ele é desequilibrado, sei que é narcisista e imaturo. Tem ruindade dentro que acumulou da infância. Enganou muita gente. Não sou um caso especial. Fomos muitos os que se deixaram vitimizar por ele e acredito que manipulou e manipula muitos.
Sofreu muito. Isso eu sei. Mas nenhum sofrimento por nós vivido deve ser "vomitado" sobre os outros, especialmente sobre quem é nosso amigo. A ingratidão, a juntar a todos os outros "predicados" dele, também fez casa. Mora ainda nele tudo o que viveu e não enfrentou. É um covarde porque usa de bruxarias com a sua amiga Rosa de Matosinhos. É um homem de biscates. É, ele próprio um biscate. O que o outro escolhe ser não nos diz respeito. O que nos diz respeito é o que dos outros nos afeta. Não sou rancorosa, ele sim, até se espuma para falar dos outros, cospe no molho das francesinhas quando não gosta da pessoa. E para tanto, basta que ela discorde dele. Portanto, um imaturo. Um homem que decide vampirizar a vida dos outros, a seu bel-prazer. Ainda bem que tudo se passou desta forma. Ainda bem que consegui ver a verdade (e outras verdades tomarei conhecimento em tribunal e não me assustam), ou estaria a viver um massacre diário, pois deixei de aceitar a abdução. A minha luz não se mistura com a luz dele. Não combinamos. Ele tem uma dura lição para aprender comigo. Eu aprendi uma dura lição com ele.
Quanto ao resto, traições, roubo, dívidas, tudo será resolvido pela lei dos homens. Com a intervenção divina.
Desejo-lhe maturidade, sensibilidade e felicidade. Para mim, desejo o que eu quiser. Sou um grande ser humano que se juntou a pessoas imaturas para aprender. Já aprendi. Agora, dedico-me a mim, à minha vida, aos meus projetos.
O diabo é uma escolha diária. O perdão é o elemento necessário para ultrapassar as vicissitudes que a vida nos traz. Saibamos entender as coisas, tal como elas são. Todos estamos sujeitos ao erro. A ignorância não é errar, mas sim continuar procedendo da mesma forma. Ele está perdoado e ultrapassado. Eu também me perdoo pela minha recusa em ver os defeitos nos outros.
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