Eu Te Amo & Há amores assim
E enquanto o Chico mordia as sílabas do poema edificado, tive ganas de o retificar.
Não era meu e nem estava em mim poder fazê-lo.
Ainda assim, tentei segurar-lhe a voz, alterar-lhe o rumo da tristeza que se constituía final. Os finais infelizes eram, afinal, a realidade dos amores tristes. Alguém precisava de ir de canção em canção, alterar-lhe o refrão, distribuir lenços para a comoção prevista, alterar contextos de outra disposição, que o fim do amor sabe sempre a dor, que sabe sempre a tentativa e erro, que dói, in convém, não se sustendo, de um lado ou de outro da despedida, que era preciso que se determinasse um outro desfecho, uma outra medida para se refazer o poema, que os fins aprazíveis traziam paz, que a concomitante ferida só se eliminava depois de outra tentativa, quando o amor se fazia maior.
E foi então que me foi explicado que para que o amor se salvasse, eram sempre necessários dois, que era uma valsa na qual se interdependiam, que era urgente o eventual desfecho com ponto final, para que se falasse da tristeza num estado já de ausência, de alforria, que se vivesse a liberdade da agonia, que não podia castrar-se o eminente desfecho, que seria até perverso fazê-lo. Que era digno que o amor se perdesse, se desprendesse e, que ao vivê-lo, mudasse de rosto, para não rasgar o anterior, para auxiliar a consumi-lo, para que se visse fogueira e não se alimentasse com mais madeira, que eventualmente, tudo se findaria e que tudo veio para assim ser.
Larguei o Chico, a Paula e o Tom Jobim nas teclas, pausei os meus próprios dedos, segurei a foto gasta onde te tenho pendurado pelo tempo, afaguei-te o rosto e desabei de novo, como se foras amor novo e atual. E eras antigo, eras primeiro, eras o final de uma vida onde ele se mantinha agasalhado. Ao meu toque foste ganhando asas e eu destruindo a patine dos retratos, fazia magia, dos meus pensamentos atos, o mundo se convalescia, ao Chico se animava a voz do poema triste, dizer te amo e não haver mágoa, saudade e se ele conseguia, também eu, um dia conseguiria, que não era de desistir, que era persistente, que o meu amor tinha vindo manifestar-te autêntico e incondicional.
Li, depois de todos os finais felizes que havia amores a recomeçar de novo, que a lei natural era falhar para aprender a amar por inteiro, no conjunto de virtudes e defeitos, e eu mordi o lábio ao refrão, e encontrei o meu sangue de aprendiz, voltei a ser jovem e a ver-me feliz, esperando um navio que passava no meu porto e eras sempre tu, e eu entraria dentro e tu dentro do meu corpo que o amor é assim, tentativa erro, tentativa acerto, de tentativa em tentativa não se vencia, nem estava morto, ganhava asas na voz, que captando outra voz, exigia o falsete, e se manifestava vivo outra vez, mais que poema derrotado, um acorde harmónico, que era uma eterna e renovada declaração de amor. Um edifício recuperado ao original que oscilou, caiu e se viu, de novo, inteiro e se comoveu na constatação de ser a forma futura indicativa do verbo amar. E trauteei o refrão, depois de devidamente retificado, com o teu retrato onde sempre esteve, aqui colado aos meus olhos, deitado no meu peito. E lembrei-me, então da Marisa Liz, dos Donna Maria, que com sabedoria, nos diz que há amores assim. Há sim!
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