A violência é aprendida

 







Há dias, em conversa com um comportamentalista de animais (creio existirem apenas dois a nível nacional), ele dizia-me, e com razão, que os animais, os cães, neste caso, são o produto do meio, sendo que a interferência da sua genética (pais, avós e demais árvore genealógica) contaria somente 9% no resultado dos seus comportamentos inatos. Nos humanos, o seu valor deve ser analisado consoante os ditos comportamentos em causa, uma vez que, o que se pressupunha e todos os estudos decorrentes destas pressuposições assentavam em 50% comportamentos "genéticos herdados", portanto, inatos, e os restantes 50% dispostos no meio, nos ambientes do sujeito e na sua forma de entender o mundo. Hoje essa proporção diminuiu para os 40%. Hoje sabemos que o racismo, a xenofobia, o ódio, os tabus são aprendidos; tal como necessidades fisiológicas de alimentação, sono, etc são inatas, a par com rituais e crenças familiares que nos são passadas de geração em geração que, parte delas se pode dizer, já povoam o território entre o inato e o adquirido. A sociedade (progenitores, educadores, comunidades, grupos de pares, parentela, universidades, etc) uma grande moduladora desses 60 % do adquirido, o que nos leva aos resultados, atualmente, desfavoráveis e entendíveis da violência crescente, de desnivelamento da paz e de extremas diferenças de oportunidades que o sujeito sofre e faz sofrer na realidade presente. O comportamentalista em questão defende que os animais, mais do que a sua genética, sofrem das limitações e amplitudes que o meio lhe oferece, favorecendo ou, no caso da agressividade dos animais, desfavorecendo o seu desenvolvimento saudável. O meio é-lhes muitas vezes desfavorável. Eu concordo. Enquanto a mentalidade humana olhar os animais pelas raças e lops, e nesse caso, considerar a sua educação importante, ou, por outro lado, pela forma enviesada como olha os animais domesticáveis e objetos, que lhes permite usufruir de guarda, sem considerar o ser vivo por detrás do objeto, coisificamos os animais, o que, no meu entender, bate perfeitamente com a realidade obtida. O materialismo exacerbado e a violência exponenciada até aos limites confrontais entre a saúde e a doença do meio. 

Também não temos infraestruturas preparadas para o tratamento de animais por falta de recursos, os canis não podem auxiliar por falta de recursos, os municípios priorizam outras pastas e não esta, por falta de recursos, o país investe em armas, aeroportos e bancos, mas não existem recursos para retirar os desprivilegiados e marginalizados sociais das suas condições ambivalentes e, quando os recursos aliados à falta de vontade e de reflexão se unem, temos a receita da tempestade perfeita, para nos arrependermos de não termos alterado o quociente desta equação da violência a sobrar-nos, para nós e para os que ainda vêm. As trancas à porta serão tardias, do mais o mesmo. Elementar e lamentável, caros Watson's.

Tenho conhecido vários amigos de animais, nos quais me incluo, por olhar para eles e conseguir criar laços afetivos, por entender que não são objetos, mas seres vivos que vieram evoluir, de resto, como nós humanos, que tendemos a desumanizar os nossos semelhantes, quanto mais os seres vivos, sejam animais, vegetais ou minerais. O respeito pela natureza de todos à nossa volta é muito importante para o desenvolvimento e evolução de mentalidades que teima em persistir em velhos dogmas e paradigmas obsoletos. Se tiver um animal preso numa coleira 24 sob 24 horas, chova ou faça sol, alimentando-o quando e como quiser, ao ponto do próprio animal mendigar alimento e afeto, terei com toda a certeza duas hipóteses, que a meu ver, podem afunilar para uma só: Um animal repudiado e tratado desta forma olhará o seu "dono", obedecendo-lhe enquanto o tiver que fazer, mas se libertado, se virará contra ele ou, em última análise, fugirá para longe dos maus-tratos o mais longe que conseguir. E surge uma terceira hipótese, comum aos homens e animais (alegoria da caverna de Platão) que é o de não saber o que fazer com a sua liberdade, por desconhecer que haverá outras realidades. Porque os animais, em geral, não possuem a consciência que assiste aos humanos. Aqui, salvaguarde-se, quer o animal, quer o humano, porque se há o pressuposto de que os animais não têm consciência ou razão que os assista, pois, os seus instintos animais podem vencer na sua natureza, existem, por outro lado, humanos inconscientes e capazes dos atos de maior vandalismo sobre outros, destituídos de qualquer remorso ou arrependimento. Claro que isto é uma visão superficial da realidade e que a sociedade não investe recursos para recuperar ou tratar, se preferirem, quer os animais, quer os sujeitos que indiciam tais comportamentos violentos. A hospitalização, o encarceramento e a morte vêem-se como os atalhos possíveis, para uns e para outros. Lembrar que Victor Hugo, que escreveu os miseráveis, nos cumprimentou, a nós, nação portuguesa, pelo feito de eliminarmos a pena capital da morte, como confirma a história, a 10 de Julho de 1867. A história não contempla a continuidade do exercício reflexivo, para isso temos outros departamentos. O maior. O humano. O de consciência. 

Lembro-me de uma conversa com o Tomás que tinha, na altura, o receio que na nossa cadela, a Kirie, vencessem, não os seus 9% de genética, mas os restantes x+y+z% do meio que lhe é adverso. Como exemplo, deu este: Mamã, quando os doentes mentais que vemos nos hospitais cometem atos revoltantes, o que fazemos com eles? Matar não é solução. Fechá-los numa cela não é solução.

A violência nunca foi solução para coisa nenhuma, a não ser para o incremento da mesma. Precisamos trabalhar com humanos e animais e encontrar-lhes tratamento adequado. Quando um homem consciente e sem doença mental comete um crime, devemos matá-lo? Ele vai preso e cumpre o seu tempo de prisão, onde aprende, não a desaprender o comportamento tido, mas formas mais elaboradas de os continuar a exercer, não sendo apanhado. Mesmo nesta situação, a penalização não pode ser a morte. Por existirem tratamentos disponíveis para alcançar outros resultados, onde o sujeito possa reparar-se dos erros cometidos e reconhecer que os praticou indevidamente. A morte não pode ser solução, nem sequer a eutanásia. A eutanásia é para pessoas e animais que sofrem por doença, com dores horríveis e não conseguem ultrapassar o resto das suas vidas, se sentindo miseráveis e apelidando as suas dores de condenações perpétuas. É uma visão simplista, porém abrangente do tanto que ainda nos falta mudar, para atingir os patamares de humanização evolutiva. 

Aqui, quando, os animais se passeiam pelas ruas, ao invés de se acarinhar os animais, lhes mostram um pau, uma enxada, uma sachola, afugentando-os e, até mesmo, agredindo-os. Sabemos que violência gera violência. Nunca será diferente em nenhum outro mundo, em nenhuma outra realidade. Temos que prestar atenção nas escolhas que fazemos e defendemos para mudar o quociente de resultados comportamentais negativos. Na guerra, dividendo e divisor, ambos lutam para defender pelo ataque, o quociente favorável. A violência é feita de guerra, de conflitos, de falta de cordialidade e de falta de reflexão sobre o interesse geral da maioria. Na guerra, não se equaciona a paz, senão a vitória de um win-lose. E é este quadro generalizado que temos, como amostra de outros grupos, em que os números estatísticos estão longe de dar voz ou palco a consensos. 

Numa sociedade que hostiliza o outro semelhante, que coopera com o vandalismo e a violação dos direitos humanos e outros, os resultados obtidos favorecem os 9% genéticos animais e os 40% genéticos humanos, e não creio que os resultados sejam favoráveis para qualquer contexto evolutivo. Até porque, o material inato, somente em questões de índole ética e de valores humanos deve ser reutilizado. O demais não nos serve no aqui e agora. A não ser para a educação e formação. A não ser, para aqueles que estudam e refletem sobre os comportamentos humanos, animais e naturais, sejam eles historiadores, psicólogos, psiquiatras, sociólogos, antropólogos ou filósofos. Este tema deve ser exercício de escrutínio contínuo de qualquer sociedade. A sociedade em geral, não é consensual nestas problemáticas e, através das políticas em qualquer ramo, nos indicam que estes estudiosos, que se elencam agentes de mudança, se consistem em minorias, portanto, são importantes somente para aqueles que defendem as mesmas causas e se exigem as mesmas reflexões. É preciso estabelecer metas e prazos para alterar todas estas situações que, isoladas ou em conjunto com as demais variáveis existentes, nos condicionam e nos fazem ir à desculpa sempre presente de falta de recursos, de ouvir sem escutar, de ouvir para contra-argumentar, sem elos para o diálogo e a concretização de objetivos positivos para a globalização do bem-estar. 



Os condicionamentos e os reforços positivos servem como ferramentas para desaprender comportamentos negativos e aprender os saudáveis, e servem como promotores de consensos e melhorias na condição dos que necessitam deles. A educação é importante para todos, uma vez que habitamos o mesmo planeta e nos vimos favorecidos ou prejudicados pelos resultados gerais alcançados. Se nos mantivermos nas crenças ultrapassadas e anacrónicas do antigo, que serviu num tempo histórico incluído no passado, que foi feito de retrocessos e progressos, mas que obedeceu a circunstâncias pontuais e circunscritas nele, incorremos no erro constante e distópico de não evoluirmos para o nosso melhor potencial humano e animal. E hoje que é dia 6 de Abril de 2025, hoje que é o mês dos cravos e da liberdade, fraternidade e igualdade, continuamos a constatar, cada dia mais, os retrocessos aos quais nos vemos presos por falta de maiorias consensuais em debates urgentes para a construção democrática de uma sociedade mais igual, mais saudável e que possa adaptar-se a todos os desafios que temos pela frente. Estamos ainda na infância da consciência humana. E isso é triste e não é de Abril e, por isso, os frutos que vão vir, depois das flores, podem ser amargos, sobretudo para aqueles que estão a lutar pela sobrevivência e por todos os que dizemos amar e proteger. Termino sempre como comecei. Numa vontade de Abril diferente, e numa constatação de atraso civilizacional que deixa o amargo e a frustração à vista. 



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