Sonhos translúcidos & os tempos de intervenção
Ontem, tal como me foi pedido pelo meu eu superior, pedi ajuda. Chegou o tempo de executar os ideais de que fomos feitos.
Ando extremamente cansada. Exausta, para ser verdadeira. São imensas responsabilidades sobre mim, e todas as noites adormeço por exaustão com o alprazolam, e sonho imenso, e no sonho vejo papeis e gente em rebuliço, e pedem-me para deitar fora, partilhar, fazer do mundo o maior ouvido. Que não sou imensa. Que mereço descanso.
Até ontem, a minha mãe me dizia que preferia ir para um lar do que para o Porto viver com o meu irmão.
Hoje, ao almoço, apenas as duas, eu a beber ice tea e ela mula velha, comeu tudo o que lhe pus no prato, um bifinho de frango grelhado, recusou o ovo. Comeu e repetiu a salada de beterraba que ela adora, o tomate a e cebola, e recusou arroz. Tinha um tupperware com massa, que também recusou. Comi sozinha o arroz e fritei-lhe meia dúzia de batatas fritas aos palitos. Preparei-lhe para antes do café, uma taça de fruta, recusou e pediu o café, não sem antes ter esvaziado o copo de vinho e pedir-me mais um pouco.
Durante a manhã, quis acompanhar-me lá para fora, após ter tomado o seu pequeno-almoço, hoje granola com leite. Medicação. Muita água. Creio que a água a tem alimentado, mais do que os sólidos. Enquanto ela fazia mimos aos cães e gatos que se dispuseram à sua volta, na cadeira, onde normalmente se senta, eu lavei muitos tachos e assadeiras, tarteiras e formas de pudim, grelhadores e pequenos eletrodomésticos da churrasqueira. Perguntei-lhe se não queria entrar e ver tv, que adora. Quando terminares o que estás a fazer entro. Estou bem. Entramos ao fim de meia hora. O portão voltou a cair, a parte maior, impossibilitando-me de sair com o carro.
Assim que entramos, já íamos a meio do corredor, sentiu-se mal. Nunca a larguei, mas assim mesmo caiu-me no tapete com o rabo. Ergui-a no colo, a pedir a Deus que me auxiliasse, pois não tenho força para o peso dela. Lá a sentei na cadeira da cozinha. Coloquei um copo de água e dei-lhe um triângulo de chocolate preto para que arribasse. Ensinou-me o meu filho Tomás, que a avó gosta sempre de chocolate. Comeu-o todo, sempre a queixar-se que era amargo. Perguntei-lhe se preferia chocolate de leite ou de amêndoas que tenho sempre no frigorífico. Recusou. Comeu o triângulo todo. Pediu-me que a ajudasse a ir para a sala e ligasse a tv. Assim fiz. Sentou-se lá a ouvir todo o tipo de programas que a Sic passa. Só vê a Sic, mesmo tendo o comando para poder mudar. Ainda fez sopas de letras enquanto assistia aos programas. Até à nossa hora de almoço. Está sentada na sala, na sua poltrona, assistindo a tudo o que a Sic passa. O portão está semiaberto. Aguardando que um serralheiro possa vir compô-lo.
O meu cansaço não se esgota e nem se define nesta palavra. O meu pedido de auxílio é um grito sem voz. Espero que o meu irmão me ligue hoje, porque nem sempre liga, deve ter a sua vida e a sua própria agenda. Não aguento muito mais.
Quanto aos sonhos que tenho tido, me é instruído que diga que virão tempos obscuros, não especificamente para mim, mas para a humanidade. Que haverá dissensões, por motivos fúteis, que haverá famílias sem apoio, que haverá muita violência, que não se esgotarão os gritos de sofrimento da humanidade e que só temos que nos ater ao pormenor de mais-valia. A fraternidade. Que juntos, somos inteiros e conseguimos grandes coisas. Que o povo irá para as ruas, que o povo se unirá para lutar pacificamente pelos seus direitos. Que iremos ver partir muitos dos nossos idosos, aqui em Portugal, que o índice de nascimentos é sobejamente inferior aos que partirão. Que teremos que erguer conselhos e debates e estendê-los pelas comunidades, que as eleições não serão solução e nem sequer pacificas. Que a extrema-direita está a exigir protagonismo, ao qual teremos que subtrair pela via lógica, mental e humana. Que a habitação até 2028 rasará a desumanidade, que todos, os que não necessitam e os que necessitam precisaremos unir esforços para a concertação da democracia e dos direitos em risco de se perderem. Tudo dentro do pacifismo que nos é característico. Está na hora de fazer crescer a empatia, de mostrar o altruísmo (cristianismo) deste país laico à beira-mar plantado. Eu peço auxílio. Tu pedes auxílio. Nós nos auxiliaremos em conjunto. Somos todos iguais. E se os que detêm o poder acreditam que escaparão ao karma de saturno, esqueçam. O que é nosso, vem ter à nossa porta, com endereço e sem necessidade de correio azul ou código postal.
Comentários