A poesia segundo JMV

 


I

Afinal o que é a poesia e um bom poeta?

Os poetas, nas palavras de Erasmo, «formam uma raça independente, que constantemente se preocupa em seduzir os ouvidos dos loucos com coisas insignificantes e com fábulas ridículas. É espantoso que com tal proeza se julguem dignos da imortalidade». E continua: «esta espécie de homens, está, acima de tudo, ao serviço do Amor-Próprio e da Adulação». E dizia isto Erasmo, não por julgar a poesia um género literário menor, mas por saber que o mudo da poesia é o da adulação e da crítica elogiosa, com que de poetas medíocres, se fazem poetas da moda. (parte 1 de 4).

É bem difícil um bom poeta ser reconhecido pelo público. De facto, como se reconhece o valor de um poeta? Sim. Um poeta? Poderá alguém saber que é um poeta? E Grande?

Pois bem, para verem como esta coisa de ser poeta depende mais de interesses pessoais e conhecimentos nos meandros da crítica, do que de critérios literários, aqui deixo um exemplo concreto, que deu, numa das suas verrinosas crónicas, Luís Pacheco, personagem genial com quem privei:

Escrevia o insuspeito Urbano Tavares Rodrigues, em meados de sessenta, a respeito de um neófito poeta e seu livro:

«Os versos encantadores de… (omito, tal como o Pacheco, o nome do livrinho, por caridade) anunciavam já a problemática que hoje enriquece a vida mental de… (ressalvo o do autor também, por pudor) e, sendo esses versos, como são, de bonne frappe (esta é para impressionar os tolos!) revelam o poeta lírico, que uma vez controlado por mais áspera autocrítica, juntando o refinamento estético ao temperamento emocional que lhe exalta e acende as vivências – parece capaz de todos os voos».

A respeito do mesmo poeta, o A respeito do mesmo poeta, o Diário de Notícias disse: «…, afirma-se poeta de lei, vivendo a emoção sentimental e sabendo exprimi-la sinceramente em versos embaladores, melodiosamente ritmados, matizado o pensamento de imagens multicores, ora na singelez popular das redondilhas, ora na gravidade austera dos decassílabos heroicos ou na majestosa imponência dos alexandrinos, modelando em formas harmoniosas a essência da inspiração.»

O O Primeiro de Janeiro, num rasgado elogio, apregoou também urbi et orbe o certificado de pedigree do poeta, da seguinte forma: «… é o livro dum poeta (será?). E publicam-se tantos livros de versos, tão poucos poetas se revelando, que é agradável ler um livro como este em que a chama da poesia se sente crepitar… trabalha a redondilha com toda a graça e subtileza.» E sugeriu Luíz Pacheco, a páginas tantas da sua crónica, para averiguarmos da justiça da crítica, saborearmos a voz do tão elogiado poeta, sentirmos a forma «emocional em como ele exalta as vivências», em como «faz crepitar a inspiração», a leitura do seguinte poema, intitulado…

Humanismo integral

Na escola ensinava o mestre

Com seu ar profissional:

– Nunca se esqueçam: O homem

é animal racional.

Mais tarde, na aula de filosofia,

Dizia outro mestre com voz beatífica:

– Animal é o género próximo

racional é a diferença específica.

Uma mulher (que lidou comigo

Em convívio ideal

Levitando em profunda abstração)

Dirá que sou um intelectual!

Nenhuma conseguiu ter

A minha visão total:

O excesso de ambas as coisas:

– Animal e racional.

De facto, podemos constatar que neste poema não existe nenhum «refinamento estético», «o temperamento emocional, que lhe exalta e acende as vivências», «os versos harmoniosamente ritmados», «as imagens multicolores», «a singeleza popular das redondilhas», «a gravidade austera dos decassílabos ou a majestosa imponência dos alexandrinos» … Muito pelo contrário! O insuspeito Júlio Dantas (nem mais nem menos), a respeito do mesmo livro e poeta também não fugiu à regra do exagero laudatório:

«Acabo de ler o seu livro. De todo o coração o felicito e lhe agradeço. Estamos na presença dum poeta. Nos seus versos há poesia (poesia verdadeira!), há alma, há vida, há centelha, há clarões, há talento às mãos cheias.» Dixit Júlio Dantas!

Voltemos novamente ao poeta, só para tirarmos as teimas. Voltemos novamente ao poeta, só para tirarmos as teimas. Inspiração se chama estoutro poema, do tão celebrado poeta, proposto ainda pelo Luíz Pacheco:

Para fazer os meus versos

Não posso ficar em casa.

O teto prende-me a alma

Inquieta qual bater de asa.

A secretária e a cadeira

Não bastam para os poemas:

Não cabe lá a alma inteira

Nos seus variados temas.

Sublime inspiração! Aqui de facto «há vida, há centelha, há clarões, há talento às mãos cheias»! Quem não vê a genialidade do poeta, é cego… cegaram-no os clarões da genialidade! Agora outro poema, também proposto pelo Luíz Pacheco, só para vermos o que é o erotismo, bem à portuguesa, do referido poeta. Esqueçamos o título e vamos ao que interessa:

Quanta mulher fascinante

Beijei

E (julgava…) amei

Pela manhã adiante

E logo esqueci

Com a indiferença que sinto

Por todo o jornal que li.

Mais palavras, para quê? Como se vê, já muito homem ilustre se enganou e iludiu publicamente acerca do que é ser poeta e do que é poesia. Afinal, o que é ser poeta? E poesia? São questões difíceis de responder.

O mesmo se acontece com a pintura; todos julgamos possuir uma ideia do que é pintura, de reconhecer onde ela se encontre e de, em consequência, proferir juízos sobre ela. Só para termos ideia, El Greco, que foi das relações de Miguel Ângelo – um pintor que dispensa apresentação – referindo-se a este, disse: «Miguel Ângelo, sim, um bom homem; mas, coitado, não sabe pintar…» E sabemos quanto enganado estava El Greco… Estas questões são difíceis de responder porque quando as interrogações se elevam ao nível das categorias do belo, da criação, da contemplação artística, onde não temos o suporte histórico, ou da obra, entramos no campo da pura subjetividade.



II


Os poetas, nas palavras de Erasmo, «formam uma raça independente, que constantemente se preocupa em seduzir os ouvidos dos loucos com coisas insignificantes e com fábulas ridículas. É espantoso que com tal proeza se julguem dignos da imortalidade». E continua: «esta espécie de homens, está, acima de tudo, ao serviço do Amor-Próprio e da Adulação». E dizia isto Erasmo, não por julgar a poesia um género literário menor, mas por saber que o mudo da poesia é o da adulação e da crítica elogiosa, com que de poetas medíocres, se fazem poetas da moda. (parte 2 de 4).

Após a leitura de uma obra poética, analisando um estilo, um tema, uma originalidade, uma técnica, uma escola, podemos dizer que ela é talentosa, sublime, genial. Pensamos evidentemente, que o seu criador é, por isso, talentoso, sublime, genial. Mas isto são conceitos que tentam explicar mecanismos psicológicos. O que significam cada um deles? Existem de facto? Existem só em determinados indivíduos, ditos artistas, e não nos outros?

Donde, falar de homem vocacionado, talentoso, genial, é falar de conceitos que, tendo evidente utilidade instrumental, são escassos como explicação de um processo criativo.

Podemos dizer portanto que uma obra é genial, mas já dificilmente isso se pode afirmar de um artista, porque a explicação da criatividade artística é mais uma questão de psicologia; o que nos remete para a conclusão de que a compreensão da criatividade estética de um poeta deve ter em conta a compreensão da sua natureza. Isto leva-nos a Manuel Leal Freire e ao seguinte poema sobre a Capeia:

Negro

Mais negro que os fogueiros ào inferno;

Gordo,

Mais gordo que as mulheres de um rei negróide;

Bufão,

Mais bufão do que Noto, Eolo e Bóreas à compita;

Veloz,

Mais veloz que os golfinhos de Nereu –

Entrou na praça o boi galhardo.

Escarvando,

Olfatou o argiloso chão,

Com um ar de Satã alucinado. Depois,

Erguendo a cabeça,

Achou pequenas a pequenez da praça

E a amplidão dos céus.

Depois, ainda,

Mugiu

Em ódio clamoroso e clangoroso.

Então,

A praça entrou nos delírios do pavor.

O forcão

Quedou-se desamparado

No meio do terreiro

E os capinhas galgaram em pânico

O espaço que os separava das trincheiras.

Sozinho,

No meio da praça,

O boi,

Já gigante,

Mais se agigantava.

Empoleirado num carro,

Exalçado a lenha

E enfeitado a colchas,

O tamborileiro rufava,

Querendo rebentar o velho bode.

Então os solteiros ganharam coragem

E, saltando aos magotes para a arena,

Imobilizaram o boi

Entre os aplausos dos homens

E os gritos das mulheres.

Este poema é de inegável beleza; provoca sentimento de prazer. Mas porque digo isto deste poema, e dos anteriores não?

A resposta está no temperamento, carácter diferente de quem os criou, isto é, a criatividade que está na origem dos diferentes poemas baseia-se também em personalidades diferentes. E que tipo de personalidades são esses?

Ao contrário da anterior, que é plana, a personalidade de Leal Freire é redonda, ideativa-criativa, poética, pela facilidade que tem em pôr, de forma artística, um pensamento em verso, aliando a sensibilidade estética (formal), à sensibilidade ética (criativa).

O autor dos poemas anteriores «arruma» versos; Leal Freire, personalidade artística, vive a vida como uma forma de arte, revive no dia a dia a sua fantasia, o lúdico, o sonho, que transporta para o quotidiano o seu sonho artístico, como se vê sobejamente no seu poema «Capeia».

É que a poesia é arte, e como tal, coisa do espirito que só conhecemos tendo educado um apurado sentido ético e estético. Por isso a poesia é coisa para ser tratada com a seriedade da filosofia, como faremos daqui para diante.

Quem melhor perceberam isto nos tempos modernos foram Hegel e Kant, ambos partindo de Platão no diálogo com Hippias maior, da ideia geral do belo, para elaborar uma «filosofia da arte» ou da poesia. Aquele tratando a poesia como as restantes manifestações de arte, mas a mais sublime entre elas; este referindo-se expressamente à poesia.

Para Hegel, como podemos ver na Introduction à l’Esthétique, Aubier, Paris, 1964, tradução de Mirian Magda Giannella, o belo existe aqui e em todo lugar ao redor de nós, intervindo «em todas as circunstâncias da vida» como um «génio amistoso que reencontramos em todo lugar».

E – não é para nos espantarmos – o único belo que o interessa é o belo artístico, o das produções humanas, excluindo-se o belo natural, porque aquele, sendo produção do espírito e comunicando a sua superioridade aos seus produtos e à arte, é superior a este.

Uma das consequências dessa superioridade incontestável do espírito é que a arte não deve imitar a natureza, ao contrário do que defendia Aristóteles, mas expressar o belo, porque o seu objetivo não é de satisfazer a lembrança, mas a alma, o espírito.

A prova é que a arte sempre simbolizou, representou, figurou o sentimento religioso do homem ou sua aspiração à sabedoria, sendo graças aos vestígios artísticos das civilizações e das culturas antigas, que podemos reconstituir o que foram as ideias e as crenças que animavam os homens das épocas anteriores.

E por isso é que para Hegel, a ideia do belo é a própria realidade concreta que toma a forma sensível do belo artístico, um pensamento que não é atividade passiva, recolhimento ou distanciamento, mas na faculdade ativa responsável pelo domínio da criatividade, da capacidade de criar formas e instaurar significados, contrário de Platão, para quem a ideia do Belo, como a do Verdadeiro e do Bem, é abstrata, atemporal, a-histórica.

Por sua vez, na Crítica da Faculdade do Juízo, Kant distingue entre beleza pura e livre (arte à grega) e beleza dependente (conceito): A primeira, encontra-se exclusivamente na forma, sem qualquer conceito (ex. música sem palavra e determinadas artes decorativas) que agrada pela forma pura; a segunda depende de algum conceito, o qual perturba a nossa relação com o objeto.

Quando a beleza depende dos conceitos, como a poesia, somos determinados por algo cognitivo da nossa relação com a forma que atrapalha esta nossa relação com a forma. Estes conceitos podem ser determinados, com uma determinação objetiva, criados através de algo no objeto que determina esses conceitos (ex. o conceito de mesa depende daquilo que é o objeto mesa, em que para atingirmos o conceito de mesa temos de encontra um objeto externo correspondente), ou indeterminados, sem referência externa (ex. conceito de Bem-aventurança, Vida Além-túmulo, Beleza).

O nosso entendimento, o nosso sistema cognitivo, está montado expressamente para unificar os dados da experiência e para nos conduzir a conceitos objetivos claros e distintos e não encontrando este tipo de conceitos, a imaginação vai propor-lhe imagens, aquilo a que Kant chama ideias estéticas, de modo a encontrar um correspondente objetivo para estes conceitos.

A arte dedica-se precisamente a isto, à tentativa de criar imagens (ideias estéticas, segundo Kant) para conceitos indeterminados. Por exemplo, para o conceito de beleza seria representada por uma imagem da mitologia, o Pavão de Juno. Outro exemplo é a forma como Kant representa o cosmopolitismo, escolhendo um verso de Frederico II, em que este descrevia um belo pôr-do-sol e a certa altura compreendemos que ele está a falar de si próprio no fim da vida, tal como o Sol deu a volta ao mundo e compreendeu todas as coisas também o homem cosmopolita conheceu tudo, deu a volta ao mundo e pode descansar tranquilamente.


III

Os poetas, nas palavras de Erasmo, «formam uma raça independente, que constantemente se preocupa em seduzir os ouvidos dos loucos com coisas insignificantes e com fábulas ridículas. É espantoso que com tal proeza se julguem dignos da imortalidade». E continua: «esta espécie de homens, está, acima de tudo, ao serviço do Amor-Próprio e da Adulação». E dizia isto Erasmo, não por julgar a poesia um género literário menor, mas por saber que o mudo da poesia é o da adulação e da crítica elogiosa, com que de poetas medíocres, se fazem poetas da moda. (parte 3 de 4).

As imagens da imaginação dão-nos «mais que pensar que o próprio pensamento», as imagens para os conceitos indeterminados são mais ricas do que a explicação dos conceitos. Mas é exatamente na explicação da imagem que o entendimento tenta demonstrar porque é que o Pavão de Juno é uma ilustração da beleza. Podemos responder que é por o Pavão ter todas aquelas cores, que para aqueles que o admiram as suas cores não têm nenhuma utilidade, etc. Ou seja, a imaginação é um campo muito fértil que deixa muita coisa em aberto para que o entendimento se aplique na imagem, numa troca de informação, num diálogo entre a imaginação e o entendimento, a que Kant chama «jogo livre das faculdades». Livre porque a imaginação e o entendimento funcionam de certa forma a sós, sem nenhuma determinação objetiva. Não há nenhum dado empírico que ajude o entendimento a estabilizar a informação que retira da imagem proposta pela imaginação. Se fosse possível determinar algo objetivo para estas imagens o jogo livre das faculdades cessaria. É precisamente o carácter inesgotável deste jogo, de troca de informações entre o entendimento e a imaginação, que explica a sensação de prazer cognitivo tida perante o belo.

Ao longo desta relação entre a imaginação, o entendimento e a imaginação vão-se conhecendo um ao outro e perceber como concordam entre si de forma a aquele tentar explicar este, e não a esgotando volta a tentar explicá-la, ao longo de uma troca cognitiva inesgotável entre ambos.

Este jogo livre das faculdades é tão importante para nós, «a sensação de prazer» que daí decorre é tão intensa, que nós queremos que os outros sintam a mesma coisa. Quando digo este poema é belo, não espero que o outro concorde comigo mas quero que o faça, é isto que ele deve fazer, embora não haja nenhum motivo para acreditar que ele o faça porque não há nada de objetivo em nenhuma forma que permita resolver as questões de gosto, mas se todos chegarmos a um acordo aceitando que estamos diante de uma determinada forma sentimos o jogo livre das faculdades, uma determinada imagem, todos concordarão com a beleza do poema. Vemos a forma e depois podemos virar-lhe costas porque a imagem estética do poema vai permanecer.

Percebe-se agora melhor, além da preferência de Hegel pelo belo artístico, formal, o que o separa de Kant:

Para Hegel, o Espírito, o Absoluto incarnam-se nas próprias coisas. Não há nada na realidade, que não seja, em graus diversos, a manifestação do Espírito absoluto, e nada, por consequência, que o espírito humano, ao menos em teoria, não possa conhecer: tudo o que é real é racional, e acessível à razão. A recíproca também é verdadeira: tudo o que é racional é suscetível de se concretizar na realidade. O belo encontra-se na forma, na estética, do conteúdo para a forma.

Kant, ao contrário, apesar de falar de ideias estéticas, limita o poder da Razão ao conhecimento dos fenómenos. A Razão, os espíritos humanos não têm acesso às coisas em si, ao Absoluto. O belo está apenas na imagem que o jogo dialético entre o entendimento e a imaginação extrai da forma, na ética, da forma para o conteúdo.

A consequência, é que para Hegel, o único belo que o interessa é o belo artístico, o das produções humanas, excluindo-se o belo natural, porque aquele, sendo produção do espírito e comunicando a sua superioridade aos seus produtos e à arte, é superior a este.

Uma das consequências dessa superioridade incontestável do espírito é que a arte não deve imitar a natureza, ao contrário do que defendia Aristóteles, mas expressar o belo, porque o seu objetivo não é de satisfazer a lembrança, mas a alma, o espírito.

E por isso é que para Hegel, a ideia do belo é a própria realidade concreta que toma a forma sensível do belo artístico, um pensamento que não é atividade passiva, recolhimento ou distanciamento, mas na faculdade ativa responsável pelo domínio da criatividade, da capacidade de criar formas e instaurar significados, contrário a Kant, que à semelhança de Platão, para quem a ideia do Belo, como a do Verdadeiro e do Bem, é abstrata, a-temporal, a-histórica.

Percebe-se claramente, de novo, quanto a Ideia hegeliana do belo difere da Ideia kantiana:

Em Hegel, o belo é a própria realidade concreta apreendida no seu desdobramento histórico. Quando esta realidade toma a forma sensível do belo artístico, determina o Ideal do belo artístico. E este Ideal do belo aparece na história de várias formas fundamentais (arte simbólica, clássica e romântica), que traduzem o modo como a imaginação tenta escapar da natureza, dar forma a um conteúdo.

Para Kant, o belo existe enquanto fim em si mesmo: agrada pela forma, mas não depende da atração sensível nem do conceito de utilidade ou de perfeição. A ideia do Belo, como a do Verdadeiro e do Bem, é abstrata, a-temporal, a-histórica, dá conteúdo à forma, vai além da forma.

Entre nós, foi Antero com a sua visão Hegliana, e Pascoais, com a sua visão Kantiana, que mais profundamente pensaram a arte poética.

Em Antero, apesar de atraído pelo positivismo de Proudhon e Michelet, foi a filosofia de Hegel, com a sua manifestação do ideal em arte, que mais influenciou a sua evolução intelectual, onde o lugar concedido à criação artística, enquanto manifestação do espírito humano, configura um pensamento estético singular, de cariz metafísico, no qual o belo surge como um absoluto.

No que diz respeito à sua concepção estética, Antero evolui em três estádios; no primeiro, onde se manifesta a herança estética do ideal Platónico, o sentimento e a verdade constituem o fundamento da arte e da poesia. Num segundo momento, e já profundamente imbuído da concepção hegeliana e algo positivista da arte, reconhece que a razão substituíra o sentimento, e se convertera na fonte do novo modelo naturalista da arte.

Nesta fase, Antero admite a morte da arte. À semelhança de Hegel, entende que o século XIX, como século científico e positivo, viria a prescindir da arte, por esta já não corresponder à necessidade de uma consciência que se supera, ou seja, por já não corresponder a um ideal que existe por si mesmo, e que não carece de formas sensíveis para subsistir, mesmo as «mais esplêndidas».

Numa terceira e última fase Antero defende, numa síntese entre o espírito e a natureza, entre o Sentimento e a Verdade, um estado superior da consciência que possa conciliar ciência e arte, poesia e filosofia, confirmando o Homem com o único e o último fim da arte, que é a Estética da Natureza.

O sentimento; à semelhança da intuição poética em Pascoais, seria a fonte da criação artística, em particular da poesia, e da gnoseologia a partir da noção de verdade intimamente relacionada com a espontaneidade sentimental do eu, à semelhança da imaginação em Pascoais.

A poesia, segundo Antero, a grande a verdadeira poesia, a que se escreve com uma mão sobre o coração, sem querer outros modelos além da natureza, outras leis mais que as da razão, essa vive e chega longe nos séculos.


«Arroz com Todos», opinião de JMV






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