Loreena McKennith & Al Qabri Ramos
Dor Olímpica
E é assim que me dóis, sem toque,
telepaticamente, distante
como esta chuva violenta
dóis-me em todos os momentos
e cada vez me dóis mais,
serena ou em choque,
e, quando a vida, quezilenta te dói
é quando a dor me raspa os molares,
me cerra os punhos, me arranha por dentro
que é quando me apunhala
por detrás e encima e me rasga
(espadas e punhais não rasgam mais
que as tuas lágrimas sem o meu colo)
e me cria oceanos entre os maxilares,
como se, ao doeres-me assim
pudesse apagar-te a dor que carregas
que pernoita há séculos em mim,
a temível desilusão de apollon,
a incauta invisibilidade da justiça
a tremenda dor da inverdade:
dor helénica de cobiça, infiel,
Tróia ardeu, mas nada lhe doeu.
dóis-me e irás sempre doer-me
e não é caso de doença
é antes, a crença
que te posso tirar
todas as dores que te pairem
todos os teus ais
documentados pelo tempo
em que me esgoto, na minha
chegada a Ítaca
e essa volúpia das tuas lágrimas
dentro de mim me sangram
do teu corpo exangue
como se a ferida houvera sido minha
dóis-me porque te amo em alegria
e, no infortúnio, ainda te amo mais
Demoro-me nos lenitivos
nos placebos e nas ervas,
neste esmero
enquanto vais urdindo,
sem nem saberes,
depois do cavalo,
depois da vida te esbofetear
para acordar,
um hino a Homero.
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