No rebanho, sou a ovelha negra!

 


Trippy Vortex


Andava à volta de velhos autores que, tal como eu, andaram à volta de soluções e concertações para aliviar o mundo ou, se não para tanto, ofertar algumas perspetivas novas que pudessem trazer aquela lufada de ar fresco que pode muito bem ser de equinócio, do início do novo ano astrológico. Seriam, não obstante, soluções novas ou perspetivas (a fezada já se está a escapulir diante destes dois olhos que a terra tão cedo não vai comer) para problemas anciãos. As massas. 

Nunca, em atmosfera nenhuma, me identifiquei com grupos, sou mesmo avessa a esse plano de massas aglomeradas que gritam: Vai-te a ele, no caso de dar merda ou o fulano de tal é fantástico, não é? Já vai pagar um café. O que quero dizer é que sempre me senti um bicho no verdadeiro sentido da palavra, quando os grupos onde eu entrava, para me terem lá dentro abduziam a minha personalidade, quem eu era, ou num plano mais restrito, quem eu queria ser. Eu nunca quis ser nada demais. O que eu queria mesmo era manter a minha coerência, opinião e vontade própria de concordar ou discordar.

Ingressei em alguns cursos superiores, no privado e fui aceite em dois no público. Um em literatura e outro em Direito em Coimbra, na vertente pública. Nunca cheguei a ingressar. Os dois me levariam para longe dos meus e isso era coisa que eu não estava disposta a fazer. Fiquei-me pelo privado. Entrei em história ramo património na antiga Portucalense, ali junto à biblioteca do Porto, no jardim de S. Lázaro. Fiquei lá alguns meses, até me dar conta (aquilo era paixão pela arte, já, mas tinha sido a minha segunda opção) que eu queria mesmo era o que me dava pica, verdadeira tusa, defender os oprimidos, poder esgrimir causas, ou seja, o Direito. Entrei, no ano a seguir, em Direito na antiga Moderna. Também foi coisa de dois semestres. Numa sala de quatro metros por cinco, catrefada dos velhos cadeirões escorridos da minha primeira classe, de dois lugares e um sem número, até à porta da entrada, de cadeiras avulsas de material barato, para poderem ganhá-lo todo. Lembro-me que eramos mais de cinquenta na mesma sala e que mal se podia ouvir o profe, devido às tossidelas deste e daquele, o bulício da respiração que deixava as janelas completamente embaciadas e o ar irrespirável. Não foi isso que me fez desistir. E muito menos o dr. Nuno Rogeiro que com ele dava gozo aprender, quando o conseguíamos ouvir. Os maiores problemas foram dois outros professores que me ensinaram que o direito e a justiça eram verdadeiros palavrões cabeludos, porque traziam implícitos conceitos errados do que era justiça e do que vinha a ser o direito. Apreendi, da melhor maneira que estava no grupo errado de aspirantes ao exercício de direito. Os criminosos tinham que ser defendidos. E o meu código civil, já cheio de notas e post its para dar com as leis que já aprendera, sem domínio ainda da matéria. O que eu achava que era a carreira mergulhou no escuro de um túnel, onde dificilmente eu viria a ver luz. E se, a que preço a veria! A minha não identificação com o grupo revelou-se. Era uma romântica incurável e os meandros da justiça não tinham lugar para pessoas como eu. Se numa turma de cinquenta ou mais, eles se descabelavam entre si pelo conhecimento, a lambuzar de graxa e batom os profes, imagine-se nas alturas de orais e nas vésperas das frequências. Detonei-me. Nunca mais quis ver filmes onde a Justiça era o mote! O meu romantismo continuava intacto, mas não nestes corredores da licenciatura de direito. Existia e deduzo que continue a existir uma competição interpares e grupinhos e subgrupos, onde não só perdiam a identidade, mas ficavam reféns de gente que, analisando bem, eram apenas marrões e pomposos, imaturos e empurrados para um destino de ser melhor do que os pais, ou pior que isso, ser MAIS do que a progenitura e os colegas que partilhavam as horas e os apontamentos.

Sempre me soube de causas, não de modas. Abortei o plano de vir a ser advogada. E conheci advogados que, valha-me Deus, davam o cú e cinco tostões só para aparecerem. Venderiam a mãe, se preciso fosse! E tentavam trabalhar em escritórios de advocacia onde lhes era permitido entrar e antever o futuro que, afinal das contas, era para durões, marrões e obstinados. Nunca invejei os que lá chegaram e até admirava os que afirmavam que defendiam criminosos, claro está, que até esses tinham direito a defesa, até prova de crime. 

Mas afinal, qual a diferença entre grupos e grupinhos? Entre multidões e massas?

Entre ser eu em qualquer grupo de mais de dois ou deixar de ser eu por fazer parte de um grupo?

E aí, depois de uns anos dedicada à música e à vida toda na sua multiplicidade, ingressei em Psicologia que sempre gostei, mas que me afastou dela por causa das estatísticas e da matemática. Uma grande parvoíce! Bem vistas as coisas, mas só depois de mitos e lendas caírem, afinal, a estatística é relativamente fácil, sumária e até necessária para investigação. O que eu gostava mesmo era de compreender a humanidade no seu mais singular modo de ser. Compreender as motivações das pessoas, individualmente e em grupos. E é aí que entra o professor C. B. que nada tem a ver com as estatísticas, ao contrário, as cadeiras dele foram de psicologia social até ser substituído e, diga-se, muito bem substituído pela B. L. O C. B. era um personagem execrável que apalpava as meninas do curso, assediando-as e tinha comportamentos disruptivos dentro da aula, fumando, de pernas em cima da secretária e atirando a cinza para uma das gavetas. Devia achar-se piada e confundir o epíteto de dar aulas com ser viril e autoritário. A matéria de psicologia social agradava-me sobremaneira porque me levava à compreensão dos grupos, da liderança, mas não se enganem. Nunca aprendi com ele uma letra sequer da cadeira. Estudei sempre em modo autodidata. Sempre me dei bem comigo mesma. Relembro ainda, mas já com falta de pormenores, a primeira frequência que fiz com ele nesta cadeira de Social. Quando a pergunta foi relacionada com grupos e o conformismo e nos dava a hipótese de discorrer sobre a temática, eu espetei-lhe com o inconformismo de José Régio, do seu livro vermelho. Levei um chumbo de 3 valores. Meti recurso de avaliação e subiu-me para sete. Fui à oral. Não me deixei empertigar, estava nervosa, obviamente, mas ele não iria ver isso. Ao contrário. Mas também não voltava a olhar para as minhas pernas ou dissimular o seu parco conhecimento comigo. Porque dali eu iria para um abaixo-assinado, demonstrando que eu não era a única descontente com a sua falta de ética e falta de profissionalismo. Na verdade, ele não tinha nascido para professor! Podia até saber muito daquela matéria (eu tenho algumas dúvidas que me ficaram incrustadas dele) mas para ensinar é que ele não tinha nascido! O professor foi encostado às boxes, creio que no ano seguinte e substituído porque até se provaram outras coisas, disseram que ele tinha deixado de dar aulas naquela faculdade, mas estou certa de que lhe devem ter arranjado um belíssimo tacho noutro sítio, porque é a lei da compensação do sistema de cunhas. 

Na mesma faculdade, os grupinhos existiam, sempre existem, mas eu nunca fui pertença de nenhum deles. Fiz parte de imensos grupos, dentro das salas de aula, porque havia trabalhos coletivos que assim me obrigavam a essa pertença, mas eu sempre pertenci a mim. Fiz amigos, mas queria-os individuais, sem a pressão do todo, ou das expectativas e regras dos outros. Ou eram autênticos ou não eram meus amigos. Alguns conseguiram me enganar durante décadas, o meu romantismo lixou-me sempre. A benemérita da treta, a gaja que abandona as suas prioridades porque um "amigo" está em apuros! A correr, levar apontamentos a gente que se estava nas tintas e provavelmente, até tentava tirar melhores notas que eu. Eu cá batia palmas. E sempre estimulava a estudarem, a tentarem entender as temáticas sem necessidade de recorrerem ao marranço ou ao copianço. Eu nunca fui por aí, tal como o Zé Régio!

Hoje sou uma solitária, encafuada e ensimesmada na sua vida, tentando levar a coerência, a minha verdade e as minhas prioridades ao porto que eu quiser. Sem verniz, mas com muito amor próprio. Não conheço ninguém que queira mais ser quem eu sou do que eu, que tenha mais vaidade no que a vida fez comigo do que eu própria. Isso de grupos, tal como disse antes, é bom, muito bom e necessário, mas só em matéria de grandes causas. E para essas, estou eu disponível. 

Sei bem o que quero e, sobretudo, o que não quero! Não me confundam com as ovelhinhas do vosso prado! E se tiver que metamorfosear em cabra, acreditem, continuo a respeitar-me e a exigir respeito! Sou uma Guedes brava e nem ligo a cores e corporações que se metamorfoseiam em polvos. E polvo, para mim sai à lagareiro!


Comentários

Mensagens populares