Antevisão, memória & abismos




Chove imenso por aqui. Os homens não vieram dar conta do telhado. Mais um dia com a obra parada. E é por ajuste. Depois do Sporting ter perdido daquela maneira, chegados a um abismo a que já estamos habituados ou deveríamos, dadas as vezes que a equipa joga pra vencer e perde. Mas ainda não é este o abismo que me enviaram hoje bem cedo. As geadas começaram a tomar conta de tudo depois das 5h da tarde até as 7h da madrugada. A barraca que tenho montada junto à churrasqueira arreou á conta da chuva sobre o oleado e a armação de ferro dobrou-se ao peso dela. Só hoje pude espreitar pela janela, quando abri as portadas, porque ontem o mundo, lá fora, apagou-se. O recuperador ligado e o crepitar da lenha, a tv ligada num canal onde só passavam filmes de amor e um intervalo no tempo, longo de dormir. O São Martinho continua a fazer festa aqui, em Penafiel. Hoje é feriado e ninguém trabalha, tirando alguns teimosos agricultores que espiarão as tronchudas e colherão mais algumas das leguminosas espalhadas pelos campos verdes. Nesta feira, vendem-se animais de pequeno e grande porte, no ar o cheiro das castanhas e de domingo, que é um cheiro diferente dos outros dias, onde os braços e mãos se baldam ao nada fazer. Cumprimentam-se as pessoas que se conhecem e param a conversar numa estrada onde os carros se tornaram incómodos. Ele é barraquinhas de comes-e-bebes misturados com grandes bigodes e samarras. Ele é acordeões acompanhados por vozes esganiçadas e grãos à venda, e sorrisos de quem esperou estes dias pra gastar dinheiro. Música e peles, artesanato do Equador, casacos, fatos, meias e socos de lavrador a serem comercializados a preços baixos e cobertores do sporting e do Benfica expostos como estandartes de miudezas. O do fcp não está exposto porque já foi vendido. Haverá em stock? perguntam-se alguns que passam e acham sedutores os ditos de pelo comprido. Delícia de estar no sofá com um daqueles enquanto assistimos à derrota do Benfica, pensam. Há gente por aqui que vive o futebol como se este fosse a morada redentora de todos os problemas do dia-a-dia. As castanhas continuam a ser vendidas a preços malucos, enquanto outras esperam a vez, queimadas aos quarteirões e despachadas em sacos de papel grosso. E farturas e bifanas e tudo o que faz abrir os cordões às bolsas. E na "cor do dinheiro" de ontem, dizia o sr economista na RTPN que as taxas da Euribor baixaram e que baixarão até aos 2%, mas que os senhores que somos nós, poupassem, enquanto outro lhe respondia que as pessoas (que somos nós) não podiam pagar o atual, porque já era taxa de sobre esforço e o dinheiro pra ser poupado tem de haver (haver de existir). Eu digo que há. Há dinheiro e esse rendimento está a ser gasto logo na primeira fatia do mês. E não é em gasolina e nem em pão. E que a mesma taxa ou a descida das taxas não se refletirá na mesma altura nas suas prestações. Que a Euribor fixa as taxas de 3 em 3 meses ou de 6 em 6 meses e nesse caso, os 130 euros de alta na liquidez só terão efeito a partir de dezembro ou de junho para a maioria. Poupem, não sei como, mas poupem. Esqueçam os fins de semana na Serra da Estrela, Benidorm ou Málaga. Depois do Obama ser recebido na casa branca e do mundo inteiro atento a cada passo dado na América, a Europa acordada sonha um sono económico descansado, interrompido pelos furos no orçamento e a Inglaterra ressente-se da recessão e de não se ter unido à Europa. Os consumidores não consomem e não há liquidez. O gado não é vendido e a exportação acompanha a paragem nos mercados internos de investimento. Ou coisa do género. Estamos a caminhar pra mais uma fase de introspeção espiritual. Onde a consciência ditará traços negros e rugas no rosto dos que se entendem apenas no mundo material e já consigo ver et's em todo o lado. A poesia continua a ser a direção certa pra turvar ou dopar os sentidos ou a resposta às nossas preces pra que os dias não se tornem medonhos, tediosos e maquinais? A Alice estará no Porto a 22 de Novembro, pelas 16h no Palacete dos Viscondes de Balsemão, à praça Carlos Alberto. O livro, 22 olhares sobre 12 palavras, desafio coletivo escrito do Ermitério, será apresentado e divulgado e eu tenciono lá estar. Por lá não cabem abismos, a não ser os da poesia. Passam agora bandos de pardais, verdilhões e outros a que não conheço o nome, corvos negros e melros, irrompendo o silêncio do lugar, atirando-se ao resto dos cereais que sobraram nos campos pós ceifa. As piteiras apontam o céu, numa arrogância de fertilidade e a figueira dorme ao lado da outra figueira. Dizem que ambas são de mel. E mel também é a música que ouvimos. O João postou Idir - Avava inouva, uma delícia pros sentidos e agora este Putamayo, uma odisseia africana no fundo do mato que nos eleva o espírito além do visível. E o Fagundes que nos oferece uma verdadeira viagem à cultura musical do Brasil desde os anos 50 até aos 80, com Fafá Lemos, passando por Adoniran Barbosa, Gal Costa, Tom Jobim, Os Gatos, Legião Urbana, Hermes Aquino, Falcão, Elton Medeiros, Adriana Calcanhoto, Gilberto Gil, etceterá...E eu atrevo-me a uma colherada tuguense. Max.


Com relação ao abismo que dá título ao POST, posso dizer-vos que o entendo como um buraco pra onde somos sugados, colocados ao nada depressivo existencial. Uma espécie de onda má que nos tira o pé e, nos deixa no chão, literalmente. Fui à Wikipédia a fim de confirmar o que penso sobre o vocábulo e eis o resultado: - Em geologia, Abismo define-se como uma depressão natural, no relevo de uma paisagem. Também pode ser definido como uma caverna com desenvolvimento predominantemente vertical. Os valores simbólicos do termo "Abismo" são a depressão e profundidade emocional, o extremo relativo ("Existe um Abismo entre nós"), o inferno ou danação religiosas, assim como a imagem de grandiosidade e a publicidade propaganda.


O abismo que me enviaram é da educação. Desconheço o email, mas agradeço o abismo. Vale a pena ouvir aqui, na Tsf. Vai continuar a chover, mas, os animais também comem nestes dias e, é por isso que me despeço com abraços e romãs. Vou pensar os animais e mercar gás e depois ler qualquer coisita. Mas digo-vos, estou farta, fartinha de feriados. É deles e dos abismos. 



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