Alma Novaes
Redundância emocional
Sem nunca te ocultar de mim e
me permitindo a voz interior
descrevo o meu presente,
pontuo o outrora passado,
e te encontro ensimesmado,
nesse olhar, amor do céu,
Só às escondidas
o meu retrato guardado e,
quando meneias a cabeça,
rejeitando o nome que é o meu,
que repetes dentro de ti,
que debates contigo
amor endossado
quando em ti e para os outros
me negas mil vezes,
se materializa o meu fado,
e é sempre dentro que te sinto
não conto a distância que
joga contra nós, nem os revezes,
e na janela dos teus olhos,
debruçada entre a tua perspetiva
e os malmequeres,
de um queres e não queres,
de um podes e não podes,
esse me quereres fica à deriva,
te veem mentir, e jogas connosco
no jogo perigoso da vida,
escamoteando sentimentos
o que verdadeiramente sentes
a omitir, sim, a negar a existência
que te rebenta no peito
essa artéria do amor
que se incendeia o teu eu,
que não é só do agora,
e tal como dantes,
a intransigência,
a guerra externa e a urgência,
te seguras, te penduras na teimosia,
e a noite te cobre os planos
e te empurra as fantasias e tu
adias e postergas a transparência
de ainda me amares, esconde-la
entre as pedras do muro de basalto,
esconde-la no seio do monte mais alto,
para um canto de terra onírica,
lutando para respirar, negas e defendes
e mentes, mentes aos outros e a ti
porque, talvez, gostasses de não sentir,
rejeitas a emoção e escolhes base empírica,
gostavas de, ao me negar,
que isso não fosse mentir
que se chamasse outra coisa,
e, adiando, mais torpe se torna
quando, ao espelho da alma te olhas,
te analisas, te espias, te aproximas
te obrigas ao apetrecho da mentira
à abolição do que é verdadeiro e real
que o amor, guardas e escondes, afinal
o amor é, de todas as conclusões,
aquela onde te escusas desaguar,
no limite, a confrontação pessoal
e só ele, meu amor, quando cresce
quando escondes, quando guardas,
quando meneias e negas,
esse amor, meu amor,
é o busílis da questão que queres apagar de ti,
da visão dos outros, das batalhas dos outros,
de mim, desta que te guarda e te vê na
conjuntura do invisível
e te conhece por dentro, como rio
como ramo, como fonte
generosa, como cio refreado,
neste tempo breve
onde escrevo o agora!
Agora, dois clientes, os pendentes
a noite silenciosa e escura e a vida
dos outros, nos outros que passa,
que se demora!
Pendura a lua no breu da noite
que as pessoas passam, ao de leve,
só eu não passo, só a minha ternura
por ti se mantém, perdura na eternidade
dos amanhãs todos.
E quando acordas, novamente
o meu nome é claridade no quarto,
réstia de luz, verdade
e voltas a cobrir a cabeça
até que o meu nome se apague,
que se te esqueça,
no teu entorno, no trabalho,
no retorno do orvalho,
na pressa de curar a ferida.
Enquanto resistes, persiste
O meu nome escreve-se,
nas paredes do teu corpo
cresce nas janelas dos olhos,
entra e varre o lixo que tens guardado
nos teus armários,
não é de vénias e nem de preparos,
rompe os teus quartos
e senta-se na tua sala
pergunta-te de ti,
pergunta-te das composições,
dos trambolhões e das dores,
das emoções e do retardamento
e no teu ombro, surge a dúvida,
se escondeste bem,
se desmontaste os afetos
para que ninguém se dê conta
que não reste nem um ponto a denunciar
que fiquei em ti reciprocamente,
e que se não repare
que continuas a povoar-me, aflito
de sonhos e de combates
Que possa chegar, eventualmente,
ao óbito propriamente dito, mas não agora
que agora, o fogo está aceso, sobretudo
enquanto declaras morto o que está vivo
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