Meu amor, não quero ir
-Diz-me Teresinha, diz-me que não esqueceste o amor, para além de mim, que o amor é assim, diz-me que eu não sumi das conversas de domingo à tarde, das tropelias e das graças que me saíam boca afora, para te fazer sorrir! Diz-me menina, diz-me que continuo a ser forte e espantoso, que continuas a oferecer-me o teu sorriso mimoso, mesmo quando não me vês, diz-me que continuas a abraçar a Ritinha como eu fazia, que continuas a segurá-la, na beirada da piscina, com as suas braçadeiras, para que o Tomé e a Aninhas possam inventar de chapinhar toda a água, para a avó ralhar, que era muita água, que assim podiam escorregar, diz-me amor da minha vida breve, diz-me que as velas continuam a queimar, quando o vento da tarde se estanca no baloiço, e que a sede que tinhas de eternidade se pode segurar, diz-me, diz-me lá, que ainda continuas à espera dele, desse ele que já não serei eu, diz-me se ainda acreditas que ele se fará verdade, diz-me se a Rita já tem namorado, se a nossa Rita já pensa em casar, oh Teresinha, diz-me que já paraste de chorar, de te embalar nas mentiras do tempo, querida, diz-me que continuas a acreditar que um dia havemos de nos reunir todos, no sopé do montezinho, ali, onde todos nos esgueirávamos para não ouvir o avô ressonar, depois dos almoços tarde afora, diz-me que ainda cortas a melancia em fatias finas, que ainda arremessas as pevides sobre o jardim, que ainda alimentas a terra de contos e histórias para que a Rita cresça com memórias dos rituais da família, diz-me amor, diz-me que quando a noite chega não te obrigas a ouvir música e a bailar, que o fazes por teres pés alados para voar, diz-me que ainda sentes o amor se interpor, se adentrar entre a melodia com que valsas, e o meu nome que continuas a gastar, diz-me Teresinha, que não vais esquecer, diz-me que te vais obrigar a levar os pensamentos para a alegria, para uma tarde de calor, para a continuidade do amor que nos interrompeu, diz-me querida, diz-me que não fui só eu que não soube apagar o registo da vida, que ainda sonhas, que ainda tens sonhos de menina que vais aprender a materializar, diz-me minha pequenina, diz-me que ainda vais comer as sardinhas no pátio da avó, diz-me que a broa ficará molhada dos pimentos e da gordura das sardinhas, que a vossa alegria rebentará no céu como o fogo de artificio faz, interrompendo ao rio o breu da noite, diz-me que o céu se encherá de balões e que assim que puderes, colherás o alho porro, os bonés e os martelos, que havemos de dançar nas festas s. joaninas, ali a ver o rio, debruçados na janela da ribeira, e que virás estar comigo outra vez, e que as estrelas e as velas gravarão no vosso peito o clarão da felicidade, diz-me que a Rita será feliz e não terá motivos para chorar, que lhe dirás todos os dias que eu estou aí, mesmo que não possais me ver, diz-me que um dia breve me libertarás do peito e riscarás a mágoa e ficarás só com a saudade. Diz-me, por favor, que eu preciso de saber que não sou um fantasma triste, que eu sou ainda o teu menino que se esqueceu de acordar.
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