Maria João & Alma Novaes
Fraturada
Chamei o teu nome
não sei se mil,
se um milhão de vezes
que o tempo é
uma consequência
ou um depurativo,
um penso doloroso
e demorado,
um adereço,
um detalhe,
uma paciência
ou uma urgência
que se aprimora
no decorrer dos séculos
e logo tu,
tu que sempre
de tudo soubeste
de tudo percebeste
e tudo desmontaste
para entender mecanismos
bem deves saber
que se o amor é cego,
é surdo-mudo
e quiçá ignorante
é coisa inventada,
combustível,
fusível, ignição
de gente desocupada
explica-me lá, cientista
porque me entraste e ficaste
porque irrompeste
e não te evaporaste
como o carbono, o h20,
o petróleo, o óleo,
o álcool, a dinamite,
a ira e o conformismo,
porque te deixaste
tatuar dentro
porque ficaste e cismaste
em permanecer,
se é tudo invenção
ou exagero, obstinação
obsessiva, eu?
fraturada!
a turmalina negra
que guardo desde há dois anos
no saquinho de linho,
com dois nós atados
durante o dia
no coração que te ama
abraçado pela alça do soutien
e durante a noite na pelvis,
junto ao sexo seco,
seguro pelo elástico da calcinha
ao ventre de onde me roubaram
a kundalini, quando te perdi
e de prece em prece
de esperança em esperança
vou segurando como araldite
a minha fé em ti
louca, devassa e desvairada?
pois que não, fraturada
e meu bem, intacto
o amor que te mantém mastro
ao redor dos meus olhos
castanhos,
num céu de estrelas mutáveis,
és fixo astro,
ao redor da boca
de lábios lassos
a salvo por decisão divina
fraturada, porém, inteira
na paixão que ainda ilumina
a forma do teu nome
o jeito inconsequente
do amor que
se escreve destino
de reescrever pavio,
fulgor, lume, asa,
década, vida inteira,
calor e frio,
rio e mar, tudo dentro,
tu desenhado imaculado,
intacto, meu caro,
e eu, qual arquiteta
retifico e realinho ágape
caduceu e mina
que protejo nesta boca
que ainda desenha
que ainda projeta
obsoleta meta
o teu nome que é casa
onde me protejo
senhora do teu castelo,
me resguardo
no salvo do desfecho cruel
dos que nos querem mal
de todo o fel inimigo
fraturada, mas ainda turmalina
fraturada, mas ainda inteira,
eu, cristina
e se não for pedir muito,
um excerto de mescalina
para te esquecer de uma só vez
causa, trauma, sofreguidão,
sofrimento, unguento,
dose mortal
deste amor imenso
para que acabe todo o bem
que se traduz mal
que guardei doutras vidas
que esqueci entre os
meus hemisférios
temporal e límbico
a tua de sempre.
E quando reivindico paz,
vem esta guerra
a que chamam saudade
e quando eu me calo
tanto mais gritas
dentro do peito
feito um náufrago,
um sindico.
Fraturada?
Sim, fraturada.
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