Gripe A, estupidez B




Mais um sábado. Shabat Shalom. 

O frio rasga e não cura, só adia. A chuva é neve simulada em água. A salamandra queima as pellets rapidamente, um saco atrás do outro. Esta terra está na lista das esquecidas. Sem história que lhe valha, exceto pelo sapo, pelo ramirinho e pela feira das cebolas. E eu que já fui encantada pela erva branca, tapete invernal aos meus pés, que agradeci por muitos dias e noites as árvores que plantei bebés se agigantarem perante mim, dos seus frutos abundantes e doces, dos galináceos correndo pelo corredor do galinheiro, pelos cães correrem felizes e as crianças despreocupadas, que hoje são homens e gostam tanto daqui como eu. Longe. Voa o meu pensamento. Longe, em Glasgow, em Pérignon, em Luxor, Santorini. Whatever. O que eu queria mesmo era não estar aqui, neste fim do mundo enfadonho, onde a ignorância humana é a erva que mais grassa, os infiéis cultivam-se no mesmismo, no espelhismo dos ancestrais, repetindo padrões sem ética, como o gado bovino, que se limita a ruminar toda a erva da mesma forma, séculos atrás de séculos. Sacrificam animais como fizeram os pais e sacrificariam humanos, se lhes fosse permitido. Assim é, aqui.

Hoje é sábado e a gripe ainda não se me curou. O ano ainda agora virou e sei bem o que não mudou. As minhas expectativas. O resto é o mais do mesmo que tentamos evitar olhar, sentir, perceber. Que me importa que se a vizinha quer que lhe ceda metros de muro, para que possa fabricar uma garagem nas traseiras, que me importa que espreitem nas veredas e no portão? Ergo uma figa nos dedos e mostro-a. Nunca gostei de bruxas maquiavélicas e até já me deu vontade de erguer o dedo do meio. Ainda não o fiz com receio que ela goste. Esta seita de pagãos que se diz cristã são imundos, perversos e por isso, lhes desenho um destino: Longe. No entanto, são estes mesmos seres humanos medonhos que continuam a fazer de tudo para me incomodar. A "famelga" que a minha mãe sabiamente decidiu ignorar, têm feito de tudo para saber de nós. Chegam mensagens ao meu telemóvel, claramente denunciadoras do seu descontentamento em não saber de nós. É assim mesmo que resolvo as coisas. Nada dizer. Nada saberem. Sabendo o que nos fizeram toda a vida chegará para que alcancem claridade. O povo não gosta de claridade. E eu não convivo mais com a maldade. Deixei de ser cúmplice contra mim e contra os meus. Toda a minha família cabe nos interstícios dos segredos. Eu escrevo, mas eles não leem. Consideram a leitura uma frivolidade. Eu considero-os fúteis e inoportunos. 

Ainda será sábado e as luzes acenderão na escuridão desta aldeia desolada. Só Deus para me segurar aqui. Só ele para me obrigar a paciência. E eu já pratico a meditação ativa. Os resultados talvez venham a transformar-se no meu armagedom até sair daqui. Oiçam. Os sinos tocam novamente, nestas terras do demo. Os umbrais carregados de arrependimentos e de dor.

Mais uma alma chegou ao além. Além desta promiscuidade humana, estão também as minhas expectativas.   

Comentários

Mensagens populares