Ensaio do medo que nos tem parido

 




Depois de Jesus ter expulsado os vendilhões do templo, crucificaram-no. Depois de o crucificarem, os mesmos vendilhões apropriaram-se do templo, até hoje.

Que quer isto dizer? Que viram o grande negócio que existia dentro, que podiam ganhar com a fé dos outros, que podiam até subjugar os outros, que podiam converter-se em intermediários, lucrando sobejamente com isso. E fizeram-no. E fazem-no até hoje. 

O templo continua a ser uma metáfora. Porque ele está dentro de todos, de cada um de nós, porém, contudo, os vendilhões desataram a vender as informações enviesadas do livro sagrado, de forma a ganharem com as suas distorções. E conseguiram. Hoje chamam-se Vaticano e possuem regalias e bens, estando acima dos mortais que carregam Deus no peito. E todos sabemos que o conseguiram pela propagação do medo. E a par da igreja católica, todas as outras lhe seguiram o rasto.

O medo cria monstros até nos templos interiores de cada um, o medo é o amigo favorito dos ditadores, dos fascistas, dos psicopatas, o medo tem conseguido almejar poder e distribuído abusos entre as massas. As massas tendem a crer nos atalhos fabricados pelos que usam o medo como ferramenta de ascensão na vida. Existem medos fabricados isoladamente, como forma de manutenção de estados doentios. O indivíduo que é habitado pelo medo, receia tudo e é facilmente convencido a atuar consoante o que o medo lhe traz. 

Existem vários vendilhões de templo, dentro e fora dos templos. A pedofilia nasceu assim. A prostituição também. As igrejas também. Os vendilhões são empreendedores, fabricam formas de explorar a massa, individual e em grupo. A fé nunca esteve tão adoecida. E nem o medo esteve tão forte como hoje. 

Ensinamos os nossos filhos através do medo que é propagado. Não podes querer ser, não deves fazer, não podes sonhar, não deves arriscar. Vivemos num sistema atávico, sem considerarmos sair da caixa onde nos engavetaram. Os vendilhões do templo propagam mentiras e vendem-nas a preço de custo. A justiça é atávica, controlada pelos secretários e doutorados do medo. Mas não é só a justiça que, bem veem, é cega, surda e muda, manipulada pelos seus funcionários, do posto mais baixo ao mais alto. O mundo inteiro se cala nos excessos dos déspotas. O medo funciona-lhes. Impulsiona-os. E contam com o nosso silêncio, com o consentimento da apatia. Com as consequências das suas doutrinas. Sentem-se poderosos. São poderosos. Porque lhes damos o nosso poder pessoal, porque investimos neles o nosso próprio poder de dizer não. Guardamos os nãos para os nossos filhos, para os que amamos, mas não dizemos não às instituições que manipulam, que nos circunscrevem o nosso limite. Vendem-nos as suas mentiras como se fossem verdades incontestáveis. Muitos de nós sabe que são mentiras enraizadas, arcaicas, despropositadas. Mas continuamos a permitir que o façam porque somos covardes, adormecidos, num percurso previsível e previsto por eles. O culto ao medo ganhou as sociedades que só o contestam dentro de casa, dentro da consciência, mas também há quem nada conteste, quem se deixe andar, como robot civilizacional, como escravo da idade média, calado, humilhado, comprado a preço de sopa, a preço de doenças, de um laissez faire, laissez passez.

O medo instalou-se confortável na sede do país, da cidade, da aldeia, do lugar e propaga-se pelas ondas de quero posso e mando. O medo é uma construção feliz dos senhores que ganham com ele. E tal como a pedofilia, é contagioso. O pedófilo abusa da criança. A criança vai crescer entre a luta da consciência e a vergonha da humilhação interna. Haverá um momento no final dessa luta, o momento de catarse em que ganha ou o medo ou o contrário do medo. Se for o medo, essa outrora criança abusada, vai abusar. Não importa de que forma. E se não tiver oportunidade disso, vai sofrer e adoecer porque não consegue fazer vencer o que vive nele, que o habita, que o desconcerta. Nós sabemos que da criança abusada, nascerá ou um pedófilo ou um humano doente. Continuamos a usar a venda da justiça que nos permite fingir que estes processos não se passam assim. Na política, a coisa é semelhante. O político é submetido, ele e os seus ideais a formas de corrupção. Se lutar contra eles e ganharem os seus valores, dizemos que temos um político preocupado em defender os interesses da classe que defende, se os seus valores forem corrompidos e substituídos pelos valores alheios, temos um amigo do medo, uma classe de medo a crescer. A política é o patamar para o trono do medo e da injustiça. Através da política, podemos alterar realidades. Através do poder e dos consensos, temos a capacidade de transformar os tecidos sociais, de trazer equidade e torná-la extensível a outros patamares. Não o fazemos enquanto formos corrompidos pelos medos de que somos colaboradores ativos. As minorias são pressionadas pelos medos vários, o medo de não se encaixarem, o medo da exclusão, o medo da perseguição, o medo de respirar, o medo de perder o emprego, o medo de serem abusados. As minorias têm um poder maior que as maiorias, que é o poder de ousarem sair da caixa, de contestar a sua verdade, de não atribuírem o seu poder aos da maioria. Eu gosto das minorias. Na verdade, eu gosto de ser, de exercer a minha capacidade de ser, de lutar por essa verdade do eu sou. Não quero continuar a fazer parte da massa da maioria. Os nossos filhos precisam de não ter medo. os nossos filhos precisam de exemplos. Do nosso exemplo. De ver e ser cidadãos livres e trabalhadores do seu país, da sua comunidade, de sonharem e de concretizarem sonhos, os sonhos não sobrevivem ao medo, ao contrário, necessitam de valores, de coragem, de ousadia, de franqueza, de verdade, de fé. De sangue novo, de ideais humanos e de justiça e de saúde e de educação e de multiplicidades e de ausência de limites, de participações ativas, de compromissos. A nova terra necessita de lufadas de ar fresco, de exterminar as crenças velhas, a malignidade, as historietas erráticas que nos trouxeram aqui. O medo precisa de ser demitido, encostado à parede, olhado, interrogado. O medo tem de morrer. O medo é anacrónico. Dispensem o medo e transformarão o mundo.

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