Miguel Gameiro, Marisa & Alma Novaes
Ensaio do teu nome traduzido em mil
Eu que vi a luz no ato de nascer
que me fiz pedra, pau, monte,
eu que fui o fruto da tua boca,
a rasgar a virgindade do palato
eu que fui as tuas vestes
e o teu sapato, o ornato da
tua ciência, o caldo da necessidade
cobrindo o teu frio das escarpas
do vale da morte,
a tua consorte e amurada,
que houve o tempo, esse,
agora cruel, antes belo e fugidio
em que me enobreci
de alento ao teu lado
e fui a mais amada das mulheres
que depois disso,
na era de te perder
enegreci as minhas suturas
de nascimento, me deixei morrer,
rompi o trato das alturas,
quando a tua distância se impôs,
e me soube rasgar por dentro,
se tornou comprida e fria, bala,
bomba, hecatombe, hedionda ferida,
que nunca renunciei, nunca me dobrei
nem lastimei o teu vulto,
vejo-me no surto de me esgotar,
na procura do teu regaço
eu que sou de longe e de perto
eu que vim a ti por divino decreto
ensaio hoje os meus passos
e só a minha dor de te não ter
traduz cor, este muro
que não me deixa alcançar-te,
tu o fruto maduro
a cor do que nutro, féretro amado
da auréola divina
da paz que vem depois da guerra
que no seu devido tempo
há-de ser chancela,
me há-de cobrir de terra
na cor do teu nome que é de vida
que é de dor, de sofrimento,
de unguento e dura, perdura,
nesta espera,
de desesperança, a quebrar
o cais dos meus olhos
nos teus desiguais,
eu que nasci e morri mil vezes
ao pronunciar o teu nome
eu que não soube esgotar
a falta que me fazes,
na saudade permitida
a cada deus
eu que me ensaio
para partir desta casa
que não é minha e que,
finalmente, compreendo
que o amor é o que nos faz viver,
e por ele tenho morrido
tantas vidas, tantas vezes
me definhando contra a guarida
do teu fantasma,
na ausência dos teus braços
eu que quis ver
a tua coroa de rei
em cada mendigo
que por mim passou
eu que já não sei quem sou
continuo perdida, sentinela
mendiga, uma alma vestida
da luz que te viu partir,
fico-me na janela,
ensaiando, na imagem da retina
o princípio do efeito
de desinvestimento
do que foi morte e renascimento
e agora, naquela viela,
o cortinado ondula
o cão passa, o vento tosse
e nada ou quase nada te detém
a não ser a minha boca
que se arredonda
para deixar ir a memória,
a marca da tua presença, a figura
cónica do teu nome na minha boca
que tu és a minha casa, que tu és
a minha janela, a minha virtude
a minha parentela, e neste nada
em que me tornei em ti
dispo finalmente o manto
da tristeza que vai além do castigo
e me prostrou refém desse amor,
desse porte, desse navio, porto,
nome, causa maior, faustino
Largo a amurada, ergo a âncora
que não sou de cá, eu sou do amor
não vejo mundo, nem quero nada
que não seja o teu nome gasto
pela saliva da minha boca
a servir-me de casa.
Faustino, visto o teu nome
experimento a fonética
no som do experimento do amor,
agora, terra, mar encapelado,
destino, estrela e alegria
tu, crescendo devagar,
no firmamento.
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