Eneia Veredas

 




Check List


Abres frigoríficos, arcas, portas, gavetas, 

pegas os sacos no sítio do costume, 

prezas pela organização das coisas e do lar

inventas outras formas de facilitar os hábitos

nos corredores, olhas para as ofertas em promoção

olhas as pessoas aflitas, com pressa, focadas 

nos produtos que precisam e nos outros,

procuras nos detergentes o mistolin e

o do cheiro de limão, que elimina as grassas

entras na praça das garrafas

colhes duas apenas, maduro branco e maduro tinto

o nectar que te acompanha as refeições, 

colhes alfaces e tomates, bananas e morangos,

lá vais tu outra vez aos frangos, aos bifes de frango, 

que os filhos não passam sem eles 

e nem a carne vermelha te é recomendada, 

voltas aos produtos de higiene

toalhitas, papel higiénico e creme corporal

e por acidente, trazes o elixir bocal errado, 

devolves e pegas no dela, de marca branca,

dirigiste-te aos sumos e assumes que

refrigerantes nem pensar, 

tentas o sumo concentrado,

dura mais, embora menos apreciado, 

mas não deixas que isso seja estanca, 

encavalitas as coisas, para caber o saco de vinte kilos

da ração dos cães, e sem nem saber como, 

pegas no saco, como pegas no mundo e o depositas

no fundo, bem no fundo do carro que conduzes para a caixa

não te esqueças de nada, não tragas bolachas dessas,

vai buscar de água e sal que fazem menos mal, 

olha a massa e o arroz, o esparguete, 

o azeite em promoção,

as calcinhas que auxiliam a retenção, 

dessas não que lhe fazem alergia, 

olha a pizza pro rapaz, o queijo ralado,

agora despacha-te, porque já estás atrasado

e a fila vai no marquês, se aqui o houvesse,

abram uma nova caixa que não me pagam 

para esperar, agora, é agora, 

já viu a nossa consumição

e você trabalha aqui, mas eu não,

nem o Belmiro de Azevedo vai poupar comigo,

e pagas tudo, quer fatura, pois claro que sim, 

é esse do cartão, do número associado ao cartão,

sais até à cafetaria e não te perdoas, engoles 

a seco e em bruto a cocaína dos dias, 

a cafeína que te arrasta para um parque cheio 

e entre passadeiras e paragens, chegas 

ao carro e entras, depois de depositares 

o saco de vinte kilos na mala, e já tão cansada, 

ligas a música, pões o cinto e rumas à estrada 

onde semáforos e rotundas te verão passar outra vez, 

como se se tratasse de veraneio, 

de passeio de domingo, 

procuras um cigarro às cegas, na sacola e o isqueiro 

e encontras sem entender 

a lista que procuraste horas 

e já só fazes a check list em casa, para dares conta 

que não faltou quase nada, 

apenas o essencial

o que te levou lá, 

a caixa do café e as batatas pra assar.

A cabeça cansada procurou, 

sem encontrar nada, essa lista

que, por omissa, te fará regressar à estrada, ao hiper,

que maçada, esta vida é uma selva

e tu que estás nela, não vais voltar atrás 

hoje não, quem sabe, amanhã, quem sabe!

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