Vinte e cinco de Abril de um ano por inventar

 



Tu princípio e fim. Tu eterno em mim. Tu. Sim, tu e só tu. 

Disseram-me para te deixar, que te deixasse, que te esquecesse, que te ocultasse do meu peito, do coração, dos olhos, da saudade que nasce, algures entre os ventrículos dos pulmões, entre a pleura, bem depois da glote, que te esquecesse, nos alvéolos, que te apagasse, como se fosse possível tal exercício, nas sinapses neurolépticas, como se a lua pudesse esquecer o sol, como se o humano pudesse esquecer deus, não sabem que me pediram o impossível, não sabem, ou talvez saibam que mo pediram por me ser impossível. Como se faz tal exercício, do esquecimento, do ocultamento, do apagão entre o que lembramos de ser felizes, a nossa ignição, e o continuar dos dias não? Não se faz! Grito-lhes que não sei fazer tal. Ah, se pelo menos não me tivesses vindo ver, se pelo menos tivesses permanecido em mim, sem que os meus olhos te tivessem contemplado, ah se a vida tivesse um pingo de vergonha e justiça, tudo seria diferente! Não! Não te sei apagar, não, não sei fazer isso, talvez seja mesmo melhor morrer, deixar de existir, tarefa que me parece bem mais exequível que essoutra de te esquecer, se vim ao mundo para te ver, para te olhar e beijar, para me adormecer na lembrança dos teus olhos desiguais, no teu bom humor e na tua inteligência aguda, na tua criação musical! Estarão os deuses loucos para me pedirem tal tarefa? Deixar-te em pausa, em vinha d'alhos, em silêncio, em sombra, em intermitência onírica, numa cadência escondida? Mas esquecer-te é que não!

E olho o calendário, o relógio, o lunário, aqui atrás da minha cabeça, não te sei esquecer, deus meu, que ganho eu com esquecer o meu sentido de vida, a minha bússola, o meu balsamário, o meu astrolábio, o meu coração? Que pode uma mulher como eu, se apagar o sol, continuar a respirar, como chega o oxigénio aos pulmões, ao coração, e conto-me histórias onde te afago a fronte, onde te reproduzo de memória, o teu hálito morno, o teu dorso, o teu entorno, os teus cabelos, o teu peito, o glossário de vida que vou guardando dentro, não te contar da falta que me fazes nos dias, como se fosse possível pedir a um ser humano que se esqueça de respirar, preciso da pleura intacta, da noção ainda que abstrata, do teu contorno de lábios, do teu perfil presente, as tuas águas e a tua sinfonia, o meu vinte e cinco de abril e a minha harmonia interna. Só um louco pode pedir tanto e achar que é pouco!

E levo-te comigo em brasa, levo-te pra dentro de casa, pro jardim, pro hipermercado, levo-te nos olhos, na boca, em chamas, incêndio, solário, levo-te a monte, num golpe de asa, levo-te sempre, sempre, não me peçam que esconda o que me é tão urgente, que me desfaça da luz interna, do que motiva a alma sedenta de continuar por cá! Levo-te e levo-te e mesmo que não me vejas tu, eu tenho-te comigo dentro, é dentro que ficas, mais que tatuagem, corrente sanguínea, arrepio, leito de amor, tesão, frio, saudade e mais que saudade, a verdade que me és. E não me desfaço de ti, não finjo que posso fazê-lo, não, não quero deixar-te, se já tarde, muito tarde me condeno, por não ter empunhado a espada e lutado como uma guerreira pelo teu amor que prevalece e anoitece e amanhece, todos os dias, como a lua no céu noturno, como o sol no dia claro, não te esqueço, confesso, não te sei esquecer! Empurro-me para essa verdade e atiro-lhes que não sou de aço, nem de madeira ou de metal, sou uma mulher afinal, carne e osso e sangue e vida, sou a guerreira ferida que reúne forças para te escrever e te dizer que, por muito que eles me peçam que te esqueça, não o sei fazer. Amo-te hoje e todos os dias da minha vida, porque assim me fizeram, assim me fizeste, sou a que honra cada célula de ti, sou a que sonha o teu abraço, a que não descuida do teu semblante, sou e sempre serei a tua amante

E tu és o meu abril, em canos de espingarda floridos, tu és força e música, liberdade de expressão, refrão do Zeca Afonso, tu és Sérgio Godinho e Fernando Tordo, tu és Paulo de Carvalho no depois do adeus, tu és Salgueiro Maia e Otelo, Spínola, e Marcelo, tu és Natália Correia e Maria de Lurdes Pintassilgo, tu és o abcedário mil, tu és interno e eterno na composição do mês de Abril! Tu és e sempre serás o ontem, o hoje e o amanhã. Em ti, florirão todos os destinos do asceta que sempre foste, o poeta inquieto e febril, solidário e imperador, tu és a origem do planeta, nesta era de aquário!

Não, para te esquecer, terão que te roubar de dentro de mim e ainda não nasceu nada que o possa conseguir. És amanhã, mas ainda és hoje, és ontem, mas continuarás a ser para além das estrelas, para muito além de tudo, do tempo, que és vento e tempestade sudário e mar e fraternidade, és utopia e esperança, o que te faz ser a mais preservada e bonita memória de todos os anais da história. Tu és Abril. 

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