Que grande merda de sociedade
Eles tinham o coração nas mãos, os seus estômagos reclamavam, não direitos, não empregos, não a inclusão, esses estômagos vazios reclamavam pão e banho e saturação de viver, dir-se ia que haviam sido convocados pela incoerência e pela insatisfação de uma geração alienada, uma febre noturna, de momentos de ocupação do prazer de gente adulta, adulterada, eram crianças com olhos doces, perdidos, semblantes magros, encanzinados, de uma boca pequena e vazia, traziam sonhos de estrelas, mas quando acordavam, davam conta que os sonhos não alimentavam nada, diante deles o perigo, a inconsciência de uma sociedade alienada, praticavam trapezismos, brincadeiras a troco de um copo de água, de um doce, de um sorriso, a troco de nada, eram meninos jesus que a vida os arrancara do céu estrelado de um ventre, a troco de uma violência atroz, que lhes fazia secura no riso, na boca e na voz, que os trazia aflitos, humildes, incapazes e sós, eram meninos como fomos todos, eram meninos como os nossos, mas eram mais adultos pela dor, traziam consigo canções, multidões, refrões na memória, estavam diante do mundo, ofertavam inocência e uma fome espectada fazia deles a mira, o alvo dos nossos erros crassos, da nossa petulância, do julgamento fácil, eram alvos excelsos da nossa inglória humana, eram carne pra canhão, eram pequenos de estatura mas tão altos de grandeza humana e sedentos se curvavam, se empurravam, se engordavam, na esperança de justiça infantil, de doçura, de aventura, desejavam pão e um abraço, despojados de malícia, de estultícia, de egoísmo e acreditavam na humanidade, como se fosse louvável, provável, desejável e enalteciam as características de si mesmos, se doando sobre todos os outros, diminuindo-se para caber na oferta de um pão que pudessem dividir entre todos. Não pediam livros, nem brinquedos, nem videogames, nos seus olhos o brilho do oiro, mendigavam apenas a nossa atenção.
São os filhos da fome, do desespero, da injustiça, do desprezo, da vergonha e da falta dela, da iniquidade, da desigualdade, da violência e da ignorância. Seja como for, são filhos produzidos de estrelas, de amor, de centelhas divinas que vêm mostrar-nos a nós, adultos, que não valemos nem um meio sorriso deles. São estes filhos que nos hão de mostrar que somos civilizados, humanos, empáticos e que a sua vulnerabilidade, que a sua falta de proteção, que os seus sonhos terão um chão para medrar que não o chão da guerra, que não o da violência ímpar, que não o da irresponsabilidade conjunta, são os filhos sem mães a que daremos colo e educação e segurança, as bases mínimas e obrigatórias para que possam mostrar ao que vieram.
-Que merda de humanidade, que merda a tesão fabricada nos momentos do ócio e da lascívia, da inconsequência e da irresponsabilidade, que merda crescer ao deus-dará dos homens que são tudo menos humanos, que merda, pá, que merda!
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