Francisca Pascoaes
Poema naif de
sofreguidão e candura
Já não olho o passado sem glória,
não quero olhar,
o dos danos e das dores,
o das deceções e dos enganos,
o das estórias repetidas
das feridas e dos desamores
empurro-me para a frente e
comigo só levo na fronte,
qual Caronte,
a alegria do porvir,
que já o estou a sentir,
sofreguidão e candura,
memória preservada, aventura,
do futuro em construção
e concreta e definida,
alerta, porém, teimosa e segura
vou delineando a giz e carvão
o chão, a base da estrutura,
os teus braços e o bater do coração,
de guitarras e canções
de fogueiras de paixão,
precipitadas chuvas frescas
no acalmar de prontidão
o peito, desta tesão
dos meus lábios entreabertos
ao beijo que sonho dar e receber
sentir-me plena e aberta,
ao puerpério que tardará
em acontecer
ao refrão da nossa música
aos ventos de amanhã
e neste presente embrulhado
com um destinado fim
vês o que nestes anos guardei
aos tropeços e aos soluços
intacto, assim és para mim,
o amor e o respeito
que sempre me inspiraste,
quando de bruços, de joelhos
me flagelava a noite incerta
o dia feio e cinza e a inveja
dos que do sol são contraparte,
contigo por inspiração
empurrei-me pra outro patamar
da cultura e das artes
que do resto sou à parte,
apronto o meu futuro
neste incerto presente
e te juro que na pesagem do coração,
da boca e da mente,
que ver-me às outra vez
como lá atrás, nesse pedaço
de vida que a mentira nos roubou
que ainda sou quem sou
que ainda amo inteira
que ainda és mais do que cavaleiro
nação, planeta, constelação,
Castelo, Tabuaço
e Moimenta da Beira,
que ainda sou mera aprendiz
nesta arte de te amar
que sou e voltarei a ser feliz
quando te vir ao meu lado
feiticeiro, homem, mago
forasteiro e imperador
e mostrar-te ei
mais uma vez
que vim ao mundo aprender
sentir e provocar, contigo
que o teu amor é o abrigo,
o cais, o porto, o postigo,
o altar onde vi a verdade
construída e sedimentada,
o amor de um amigo
uma jangada na tempestade
que se traz do fundo
de outros mundos
do fundo que ninguém pode saber
e que ninguém pode ver,
dentro de mim, a arder
a chama do teu nome em brasa
a acontecer o incêndio
de ser outra vez mulher,
que me mantém viva
tua na razão de viver,
mais que a terra e o céu,
tu sempre foste a minha casa!
E do fim do mundo virá
a constância da alegria
que dará argumento fidedigno
que testificará o que digo,
o nosso amor se fincará
permanente moradia
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