Laura de Jesus
Os migrantes
Olham-lhes os olhos,
as vestes, a fragilidade
recorrem a impropérios
para os nomear,
nada amistosos
para se justificarem
pelo ódio e desprezo
que os nutre,
pela culpa e frivolidade
no julgamento fácil,
nas suas cabeças delirantes,
a vergonha
dos seus pensamentos
ancora-se na feiura
de uma razão irracional
e a peçonha faz deles
territoriais
defendem-se da vulnerabilidade
ameaças à sua existência
periclitam os seus chavões pontuais
O homem é inimigo do homem
ele é instintivo e primitivo
no século vinte e um é um animal
Desde o princípio dos tempos
somos itinerantes e procurando
um lugar no mundo
e nada é nosso, só a estupidez
Os migrantes não são outra raça
nem uma desavença,
somos nós desestruturados
alvos fáceis das guerras,
das rebeliões
vítimas oportunas das sociedades
ditas desenvolvidas
os humanos despiram os valores
e os ideais
e escolheram pisotear os seus iguais,
humilhar as suas condições
de insegurança e privação
exclui-los e mais
lutar contra a sua existência e
simulam misericórdia entre esgares
quando ouvem que no pacífico
ou no atlântico ou em
qualquer fronteira do mundo
morreram numa balsa centenas
ao sabor do vento
e serenas,
depois do espalhafato fingido
vão ao cabeleireiro,
ao restaurante, ao comício,
à esplanada,
ao oceanário, à reunião, como se,
nenhuma daquelas vidas perdidas
fossem eles mesmos,
noutras circunstâncias,
a hipocrisia imaculada
nos rostos perfeitos
de silicone e de ilusão
e acreditam-se em pessoas de valor
vivendo no dealbar do abismo
que rima com o seu egoísmo,
que não sabem, mas os espreita
acreditando que
os cataclismos os poupam
a eles, por serem demasiado humanos
os migrantes somos todos,
oh irmãos vis,
quando os cenários emergem e eclodem
disparados a outras coordenadas civis
e o migrante que há em mim
perplexo, vidrado e secreto
rasgará todos os véus, expondo
enquanto puder e tiver voz
a máscara da estética mundana
das nossas sociedades hostis,
existentes e proliferantes
desta raça desumana
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