A rendição breve que a noite traz

 



O cansaço a vencer-me. Sempre acreditei na minha força. Em mim, quando motivada. Em quem sou, em levar-me para a frente, mesmo quando cheia de dores, de mágoas, de tristezas que parecem roupas molhadas pesadas que arrasto e das quais não me sei libertar. E é a essa imagem de fortaleza a que tenho recorrido, quando a noite chega e me deixo chorar até adormecer. Afinal, essa fraqueza de que também sou feita está a tragar-me e a vencer-me pelo cansaço. 

De dia, invento novos espaços nos já existentes e dou voltas aos movéis, mudo-os de lugar, deito fora isto e aquilo, tento vestir-me de pensamentos positivos, enquanto altero o que não tem outra forma de ser. Inventar mundos a este. E se tem dias que sou capaz, tem outros que me fazem sentir a pequenez da minha forma, a ausência de ferramentas, a fragilidade que sou. Não, eu não sou uma pedra, nem uma barata, nem uma ratazana que continua a perpetuar os dias porque sim. O meu combustível sempre foi o amor aos outros. Hoje, o amor está a esgotar-se. E sei que preciso duplicá-lo, e, sobretudo dirigi-lo a mim. Eu sou merecedora de amor. Eu sou uma força da natureza, eu sou um ser humano. Ainda. A exaustão mental associada à exaustão de possibilidades e de soluções. A exaustão dos outros na exaustão de mim. Sinto que estou prestes a essa rendição. E se, por um lado, sei que os dias são tricotados de sonhos e de metas, por outro, uma simples dor, no lugar certo, na hora certa, e zás. Plim. O sonho de me ver, novamente, lá em cima, na luz, banhada pelo amor da fonte e este corpo inútil rendido ao frio da sua carcaça, libertado desta alma que necessita de expandir-se, de voar. Eu nasci para voar. E nunca me senti tão castrada, tão aprisionada, tão cheia das dores da terra. E enquanto olhar para tudo como desafio, arrasto-me e luto. Quando o desafio terminar, acabou! 

Já me esgotei em conversas com eles, porque não parti eu? Porquê eles? Sinto que não pertenço aqui e este sentimento acompanhou-me uma vida toda. Eu não pertenço aqui. Não sou de cá. E se teve épocas da minha vida em que estar cá me fazia sorrir, ver as estações mudar de tonalidade, os animais crescerem, os vínculos se fortalecerem, na maioria do tempo, essa sensação esteve presente. Não há nada pior que a estagnação, que o enraizamento nocivo. 

Este esgotamento, este desinteresse, esta amálgama de sentimentos dolorosos vai esmagar-me. E então, mudo os móveis, aliso a madeira, acaricio os livros, perco-me no museu das fotografias, e volto a acariciá-los a todos os que me abandonaram, como se fossem estilhaços de um naufrágio que não sobreviveram e eu, desgraçadamente, sobrevivi. Quando as dores me vencem, as saudades me comem por dentro, quando as injustiças se multiplicam, então eu peço para ser vencida neste corpo físico.

Não compro a medicação para o coração, nem para o colesterol, adio a tomada da pastilha para dormir. Pretendo exigir ao meu corpo vencer-se a si mesmo. Obrigo-me a voltar a estágios anteriores, açoito-me de positividades. 

Estou, deveras, esgotada. Engordo a minha mãe, dou-lhe força e vontade para vencer estas fraquezas que a vida lhe trouxe, estendo um leque de possibilidades para lutar por objetivos que digo pequenos, que só os pequenos no dia a dia nos permitem vencer. Passo a passo. Migalha a migalha. Hora a hora. Tento que os sorrisos e o sol nos ganhem e cresçam. E fico drenada em mim. Vazia. E quando chega a noite, a hora deles chega. E eu posso abandonar o meu corpo, que tanto cansaço me traz, carregá-lo. E o bisavô afaga-me com o olhar, persegue-me e conversa comigo. -Pai, falta muito? O paizinho não responde, só sorri, aquele sorriso enigmático que tão bem conheço. Quando sinto que me limpam as lágrimas e me fazem vislumbrar a paz é quando me rendo. E eu rendo-me, rendo-me a esse amor face à imensidão da dor que encontro no meu presente. 

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