Crónica da pequenez fútil e das suas redundâncias

 



Ei-la na sua dimensão aumentada. A pequenez é um adjetivo de qualidade, de uma grandeza de tamanho. Não há qualquer presunção de diminuir pessoa ou coisa, quando se trata deste quesito. A não ser que estejamos a comparar e relativizar o estado de algo que, por séculos de aprendizagem e de "obrigação" deveria ser maior. O pequeno petiz cresceu. O pequeno exemplo se transformou numa onda gigante de solidariedade. O pequeno auxílio conseguiu dinamizar o contexto positivamente. A pequenez da atitude colheu frutos dantescos na adversidade.

Somos todos pequenos, face ao Universo imenso. Essa é a nossa pequenez, mas muito mais que isso, a humildade dessa pequenez indicia a comparação e relativização inerentes a outras dimensionalidades. Conheci sujeitos que eram pequenos, uma cabeça de fósforo, nem sequer procuravam reconhecimento quando prestavam auxílio em lugares ermos, ocultos pela distância e onde as sociedades modernas jamais iriam, mais do que agradecer-lhe o que fazia em prol daquele grupo humano, terem noção dessas realidades (longe da vista, longe do coração). E quando dizemos isto, estamos a mexer em outra grandeza, a magnificência do ser humano que trabalha e se entrega a serviços humanitários, dando o seu melhor para ver outras comunidades mais satisfeitas, mais esperançosas na alteração de realidades difíceis que muitos de nós desconhece. Nas intenções de repor equilíbrio e de trazer igualdade de circunstâncias, em termos humanitários. O sujeito que troca a facilidade do seu dia a dia numa sociedade forte de consumo imediato e vai viver dificuldades de sobrevivência para levar luz, alimentos, conhecimento, saúde a menos favorecidos. Aos esquecidos em contextos de guerra, de falta de bens essenciais. O que troca a sua facilidade de caminhos por um outro alternativo no tratamento de pessoas ou animais em panoramas mais duros e hostis. No inglês, diremos: the meaning of a life! Quando esse adjetivo de pequenez é associado ao impacto que um só sujeito traz de melhorias a uma comunidade isolada e tão necessitada do essencial, diz-se da grandeza do ato, do indivíduo, do resultado, da diferença, usando sempre medidas que nos servem para pensar a realidade que vivemos, a maioria do tecido social. Os exemplos, protótipos, qualidades de maestria. E daí a ilustração da pequenez, na sua dimensão mais diminuta. Os grandes grupos económicos que têm por objetivo escravizar-nos pelo consumo, criando mais e mais gadgets para nos tornarem adictos do vazio, ganha, cada dia que passa, maior espaço, coesão e poder. Estamos a falar de pobreza de inteligência a nossa, de pequenez na observação do todo. Estamos a falar da verdadeira cegueira. Da cenoura que se coloca na frente do burro para que ele caminhe na escravidão da pretensão das corporações. 




Os políticos que nos representam, que podem marcar a diferença nas desigualdades sociais, económicas e nas hostilidades geográficas somarão, na sua totalidade, 10% se tanto, no envolvimento de pessoas e bens, na transformação real e na dinamização e empenho da sua capacidade de, realmente, fazer mais pelo todo. Acontece que 10%, que é uma visão pessimista, se a compararmos na escala de cem por cento fica muito aquém da efetividade e dos resultados que podiam ser atingidos, se as sociedades se empenhassem nessas lutas tão inglórias. Um sujeito em mil elabora, assim, a pequenez da amostra e revela, noutra ordem, a grandeza de um só sujeito que se entrega a valores maiores da sua consciência para fazer a diferença e trazer resultados. Eles são a exceção. E os seus nomes não são e nem precisam de ser conhecidos, os seus feitos não são vistos e nem requerem projeção, porém alteraram e vão continuar a alterar os contextos a que se propõem. 

Nas sociedades ditas civilizadas mora um outro sentido de pequenez muito mais projetado ao todo, muito mais impactante, com nomes que são extrapolados ao conhecimento público e que lucram ostensivamente, como se de grandezas potenciais estivéssemos a falar. Nestas sociedades, o que vinga é a capacidade na competição pela indiferença, pelo desprezo sobre os valores morais e éticos, o minuto da fama que os projeta para um espaço inexistente, consagrando-o no imediato em mecenas do oco, ou menos que isso, em "estrelas" cujo brilho extasia os muitos pequenos e os conduz, mais uma vez através do exemplo de outros, com a pequenez de objetivos que carregam. O mundo nunca esteve tão superficial e vazio de conteúdos significativos. Nunca precisou tanto de conteúdo edificante humano. As sociedades envolveram-se na forma, no pacote, no externo, e vão caminhando numa exiguidade de luz artificial. E esse vazio que é periclitante e substitutivo pela mediática medida da pequenez, cria massas de sujeitos iguais, sem noção do verdadeiro sentido de existência. O vazio ganha essa grandeza de superficialidade e de efemeridade e cria frustrações adiante, porque a estrela cai, era cadente, esparrama-se pelo chão da insignificância, da insipidez, trazendo com ela motivos que conduzirão o sujeito a reflexões que o hão de conduzir a propósitos maiores ou, pelo contrário, o deixarão refém das suas inabilidades, da sua insignificância e dessa efemeridade que o conduzirá a doenças mentais, numa perspetiva menos negativa, porque na perspetiva comum, o suicídio surgirá como impulso "natural" para uma resposta confirmativa e ou congruente com a frustração de expetativas do sujeito. As auroras boreais, os eclipses, os terramotos e erupções vulcânicas são fenómenos naturais e não obstante essa naturalidade, não acontecem com a frequência de catapultar a terra para o lugar-comum, nem do mesmismo, e muito menos de exclusão ou implosão. A terra não se suicida. Regenera-se.  




Com os sujeitos, a coisa não se passa bem assim. A escala é semelhante, porém, o ego que não mais é do que a projeção social ilusória do que o outro pretende de mim, vai enraizando essa competição e consequentes mitos de que aquela fama que transformou o sujeito anónimo numa raridade de luz é positiva, necessária e, no entanto, é, ao contrário, tremenda na sua efemeridade e mediatismo. A nossa casa, a nossa territorialidade é a escala grandiosa do universo. E se ela se transforma com as adversidades que as sociedades produzem nela, se o impacto que ela sofre a altera, está mais do que observado de que ela é única, insubstituível e não entra no chavão de pequenez. Assim, quanto mais pequenos forem os objetivos que carregamos, quanto maior for o consumo dos gadgets sociais, maior a queda dos vários abismos onde o sujeito se projeta. 




A doença mental é fabricada pela sociedade, mas não é em si uma entidade a quem possamos exigir responsabilidade pelos danos que nos foram causados, a ignorância social da massa é tricotada pelo todo e teremos que ter discernimento e lucidez para nos isentarmos, isolarmos, nos voltarmos adentro e perceber o que é importante e vital para cada um de nós. O vazio não pode ser ancorado em êxitos e fracassos, em expetativas e ilusões, mas em metas e objetivos, causas e avaliações concretas e individuais de onde queremos chegar e como o haveremos de fazer. Se até aqui, temos produzido lixo e doenças, fome e guerras, nesta inversão de valores produção do todo, é a pensar no todo que nos teremos que melhorar, isoladamente, para quando estivermos nesses grandes grupos que movem contextos, sabermos que estamos a trilhar a generalização do bem comum, da saúde coletiva, dos interesses verdadeiros a sobreporem-se a tudo o que é mediático, superficial, inoperante e disfuncional. O indivíduo é a forma ilustrativa da pequenez perante a massa, no entanto, é a partir do indivíduo e da sua célula familiar que chegamos às corporações, aos grupos políticos, económicos e sociais, que são os organismos vivos e com capacidade de alterar o todo. E ele só pode ser alterado a partir da mudança de paradigmas que se opera em cada sujeito, em cada ser. Se isto é uma verdade La Palisse (s'il n'était pas mort, il ferait encore envie), poderemos entender que a extrapolação da massa (e não falo da uniformização de sermos iguais, pois todos nascemos com características diferentes que devem ser assumidas, pois esse é, mais do que o ímpeto, a intenção da criação) só após a alteração individual pode alcançar objetivos que alterem as realidades mediáticas, agressivas e distópicas que temos agora. 



O mundo enquanto Universo sempre estará se transformando. A grande questão é como serviremos nós de rastilho para o melhorar, que impactos positivos poderemos acrescentar e de que forma poderemos diminuir o impacto negativo nesta nossa grande ca(u)sa. Destituídos de planos B, da pequenez dos nossos princípios à pequenez magnifica de sermos um detalhe que pode alterar o contexto geral para um outro patamar de humanidade. E se a união faz a força, o detalhe, tal como o ponto final fazem toda a diferença. 

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