You were there




O teu amor foi um pássaro antigo que fez ninho no ábaco de saturno, entre a mente e o meu peito, onde ainda durmo. Não é que o teu amor seja cárcere. Não do meu corpo, sequer da minha alma e espírito, livres são as tuas asas. E voaram sem aviso, para um céu que não conheço. Não existem reféns de amor entre os meus braços e as minhas pernas, entre os pensamentos e os desejos, só o improviso postergado até hoje, de te aguardar há mil anos, e se eu soubesse desenhar, aos pensamentos, haveria eterna uma sétima onda a escaldar, gelada, nos meus joelhos, a espumar-me de ti, se eu, se tu, se nós, se o mar entre nós fosse mais estreito, se não tivesses partido, se os sonhos que descem através da alma ao meu corpo, onde tu desces e cresces em saudade, nada de ti é morto, nesse estreito entre o teu pescoço e o meu peito, despertassem a eternidade que apagaram no despropósito do desamor, se a tua boca me habitasse, pronunciasse o nome de todas as coisas vividas com a lembrança de quem sou, a tua boca se inundaria do néctar que me saciasse a sede de ti, do teu rio me faria leito, em tempos de deserto;  se eu pudesse abraçar-te, só mais um dia, que esse dia seria fertilizado da vida toda, meu amor, pelo tanto que te espero! Espero-te de noite, dentro e fora dos sonhos, dentro e fora do corpo, dentro e fora do espírito que galga o universo, como uma garça no céu poente, na margem desta enseada, deixaria, voluntariamente, a onírica forma de sofrer a tua ausência, inexistente ao olhar, que te tem sempre presente. Sou a favor de todas as formas de solidão quando se ama. Que quando se ama, nunca estamos sós! E nos meus pensamentos, tu pássaro veloz, esvoaças entre os meus seios e amordaças com os meus cabelos todo e qualquer algoz! Se tu me ouvisses, se a minha voz entoasse na clareira entre o teu peito e a tua mente, o céu te seria urgente, da margem do rio avistarias o leito do estreito onde me faltas e te ausentas de mim!

Foi o improviso que te roubou, um sobressalto e de ti fez com que sobrasse tudo, menos o teu corpo, sobrou toda a vida, aqui, a empalidecer os meus vestidos, os meus humores e até os dias que se arrastam, feitos torpores, descolorados como a minha tez, como ninguém o fez, como se não deve fazer a ninguém! Se tu me sentisses e soubesses, poderias armar oásis nos flancos secos e queimados dos abetos, na língua das areias do deserto, se tu me quisesses, se eu te acordasse, ou se te visse chegar, se eu pudesse, tu serias um rei e o teu trono guardado nestes anos todos, seria apetrechado e, antes lavado pela espuma das tuas ondas! Se tu me sonhares, eu estarei aí, ao teu lado, deitada entre cardos e rosas, entre os nenúfares e as flores de lótus, onde alfaiates e diamantes se insinuaram nas ondas redondas e os acordes criativos de um piano emolduraram esta madrugada. 

Ergui-me, entre páginas de memórias descomunais, guardei tudo, o teu rosto desbotado, o meu sumido, como se prova viva que permita apagar a dor e eis-te radiante, virtuoso e fulgurante, as cortinas abrem o tempo, as luzes acendem-se. Tu, num majestoso manto, entras, fazes uma vénia aos espetadores e sentas no banco, e dos teus dedos surgem os acordes do requiem dedicados a alguém, e enquanto cerro os olhos, oiço-me perdida, despida por ti, o universo se dispõe em aplausos, do cenário do passado, eis que surges, inteiro e ungido e és um acorde simples e uma sofisticada sinfonia, criação musical, refugio-me outra vez dentro, tu montas um cavalo branco, endereças-me o teu amor, mas meu amor, é tudo um sonho meu, antigo.

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