Eldina Milagros & Júlio Fachada

 



1997

Da tua lua 
em virgem
nenhum caminho se abriu
mas, ao fundo
na clareira escura
do bosque,
em que me atrevi a ir
de flores e borboletas
um banco tosco num jardim
fuligem e cometas
estavas sentado
como Zeus
Eu, ferida de rugas
e madura de viver
de memória
obscura,
o amor próprio em rutura,
mendigando o amor
como a última criatura
no deserto de espera
e permiti-me encontrar-te
E ao teu lado, Deus!
E de eterno e ausente,
repassa a cassete 
de antigamente
E o meu corpo não é
mais que pele e cicatrizes
mais que dores e deslizes
mais que cansaço e endosso
e ver-te foi em mim
festa, vertigem,
clarão, alvoroço
nesse destino alegre
de olhar-te,
tocar-te, amar-te
entre hortelã e alecrim
porque antes já foi assim,
e noutro plano astral,
na nossa linha do tempo,
bordo o amor das sanchas 
e da urze trepadeira,
bordo moimenta inteira,
sem que me vejas ou sintas
sem que me desprezes ou mintas
sem que me pressintas sequer!
Já cá não estou, 
já nada sou, nada te acrescento,
senão dessa história
desse caminho, a mulher
de um destino roubado
sou uma luz de amor
que te envolve
sou, algures,
o que se dissolve
quando dormes
e o jardim é a minha memória,
detalhista e sem fim,
dos teus braços envoltos
dos teus poemas soltos
da tua música em mim,
tocada para o meu irmão,
para os anjos
que se consolam de ti,
sei agora que também
eu estou pronta
para a viagem derradeira,
na catedral dos sons,
na divina pauta,
neptuno por companheiro
para a desejada "Belém"
e deixar-te na escolha
do roteiro
afinal, na tua vida, meu bem,
onde fui mero cenário,
que possas ser feliz,
como mereces
para além do ordinário,
que se multipliquem
as preces, desta
lua nova em peixes,
respiro fundo,
largo-te,
cauda e véu
de marte 
do agnus dei
que ando a escrever 
em teu nome,
e que desce do céu
e vem tirar 
o pecado do mundo.


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