As minhas mesinhas de cabeceira são quasi-gémeas

 



Entre as leituras dos livros de cabeceira, que são alguns, faço este exercício com alguma regularidade, o que aprendeste com este livro? Sim, porque tem que haver sempre uma recompensa, que abrir a porta a um livro é deixá-lo provocar-me e sair da latitude onde me encontro, a fim de poder romper barreiras. E pergunto-me depois, o que te fascinou nesta leitura?  

Da aprendizagem sempre ganho "n" de pontos, porque sou realmente sequiosa de conhecimento, mas reconheço que, se não sentir paixão pela matéria da leitura, depressa me ganha a preguiça e o desinteresse. Quando leio, preciso estar apaixonada ou, na disposição de me apaixonar pela matéria, ou pelos personagens, ou pelo cenário, ou pela construção da trama que o escritor desenha, para que me resgate inteiramente. São alguns que o fazem, da forma exigente que a minha interioridade ambiciona. São apenas alguns. E menos ainda os que provocam os meus sentidos mais profundos. 

Ando a ler, desde ontem o romance de Salman Rushdie. Tenho "religiosamente" comigo Lobo Antunes, Inês Pedrosa, Teolinda Gersão e, ainda não retirei daqui o Durian Sukegawa e nem o Gabriel García Marquez, lidos ontem, e por falta de tempo, não marcharam para a estante, mas pretendo levá-los para a sala. O Durian surpreendeu-me agradavelmente, embora deixasse em suspenso um ou dois quesitos que, considero, o autor podia ter aproveitado melhor. Duas notas poéticas. Satisfez-me, contudo, a simplicidade, porque é sempre através de uma qualidade que se aprofundam todas as outras qualidades do argumento. Vinte pontos para o Doce Tóquio, por ser simplesmente belo, por ter abordado a doença de Hansen, por ter somado dois ou três pontos acerca da humanidade e da forma com que se determinam as minorias e se discriminam as pessoas. Gabriel García Marquez dispensa apresentação, são tantas as paixões que ele provoca, que este "Vemo-nos em Agosto" arrumou dentro de mim, mais um ponto ao último que tinha lido dele, a Memória das minhas tristes putas. A juntar a Eu não venho fazer um discurso, e que, no fundo, constituem uma trilogia (...) Continuo com a leitura técnica de Maria Clementina Diniz, psicóloga do Hospital Júlio de Matos, já falecida e a quem tanto deve a classe de psicólogos, sobretudo clínicos, pelo seu esforço apaixonado e sem limites ao exercício da clínica, neste hospital, e lecionando em faculdades, partilhando o seu conhecimento, tal como assim deveria ser sempre. Ainda não terminei. Página 159. E tanto poderia dizer desta autora que infelizmente, partiu, estando assim, impossibilitada para mim qualquer hipótese de conhecê-la melhor, como gostaria. Ficou mais bem conhecida pela abertura e pela inteligência com que abordou temas sobre a sexualidade, a menopausa, e outros, como seja a proposta para a Institucionalização da Psicologia Clínica da Saúde. A leitura técnica também pode dar prazer, quando bem esgrimidos os textos, e, definitivamente, vejo o No princípio não foi o Verbo, como uma obra pseudo técnica. Gostaria de ter lido outros textos desta autora, sobre a sua forma de ver o mundo, sobre as suas ideologias partidárias, etc. 

Outro autor que me fascinou pela forma e conteúdo de Não sei que horas são esta noite, foi José Luís Ferreira. O amor às palavras encontra-se logo na entrada de qualquer obra sua, e que é marca de autor, dificilmente se poderá passar pelo texto sem o sentir. E essa proeza não é para qualquer um. Quem lê e quem escreve, quem se dedica a uma ou a outra ou a ambas atividades, entende que o autor fala tal como sente, que talvez no domínio das palavras, se lhe nota vontade nenhuma de as dominar, e nem as emoções, e nem o conteúdo de vida, e cuja fertilidade e simplicidade estão sempre expostas e dispostas, naturalmente. Aos leitores incautos, pode arrancar sensações diversas, quiçá apropriações, como se tudo o que o autor coloca na mesa, nas cadeiras, nas ruas, pudesse ser matéria de contágio. O último do Pedro Strecht ainda não li. Não sei bem se o irei ler, pelo menos num tempo breve. Pais suficientemente bons, dificilmente me vai acrescentar alguma coisa, se eu não tiver necessidade ou disponibilidade para a leitura. Todos os que li deste pedopsiquiatra gostei, porém, sinto-me desinteressada do assunto, no momento. Tenho, ainda Héctor Abad Faciolince para ler, Somos o esquecimento que seremos, que será, com toda a certeza, quando terminar este Dois anos, oito meses e vinte e oito noites, do SR, o próximo a ser lido. Ainda se encontra na mesinha de cabeceira do meu lado Salomé, do Nuno Júdice, desde que ele partiu. Reli e voltarei a reler, tenho a certeza, mas talvez não seja agora. As crónicas de Lobo Antunes são a minha bíblia, em matéria de provocação. Na mesinha de cabeceira do meu lado direito, consta, ainda a Mulher Descalça de Filipe Chinita, a poesia impetuosa e rouge de um homem vertical e apaixonado, bem como Válter Hugo Mãe, O filho de mil homens que já li há anos e será relido. Cada macaco no seu galho, todos serão lidos e, eventualmente, relidos. Dos técnicos espero conhecimento. Dos outros, provocação.

E agora, um aparte, por causa desta provocação, que nem sempre tem que ser aos sentimentos mais nobres, ou aos valores que partilhamos enquanto humanidade, também pode ser o oposto, o que nos indigna, o que nos causa stress e até tristeza, porque não dizê-lo? Vivemos ao abrigo da famigerada liberdade de expressão. E por falar na tal da provocação, talvez por me ter aventurado a rasurar um esboço marcelista aqui há tempos, na altura do caso mediático das gémeas, acoplado com poucos dias de intervalo, pela tentativa de arranjar bodes expiatórios para o esquecimento do mesmo caso triste via erguer carrascos do colonialismo, talvez por isso ou por outra coisa qualquer, tenho dado conta que no meu mural de facebook, que me serve, somente, para partilhar o que vou escrevendo aqui e para espreitar vídeos de música, dança, pintura, teatro, cinema e de animais, a presença de figuras ilustres, ilustres não, famosas. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o Cláudio Ramos da tv, as cartas da Maia que deduzo também sejam da tv, porque não vejo televisão há anos, mas as notícias msn têm parangonas e essas leio-as, às vezes. Se eu fosse presidente da república, nunca me daria à disposição de ter facebook e muito menos andar a usar scroll down com matéria desconhecida e desinteressante. E provavelmente, nem é o senhor, mas um olheiro das opiniões sobre o senhor. Ainda bem que não sou presidenta desta e de nenhuma outra república. Não gostaria de ser presidenta de nenhuma república de bananas, onde a saúde é doentia, onde as finanças são corruptas, onde a justiça não existe, onde o ensino empurra para o desemprego, exporta mais-valia bem formada para a emigração, a peso de preguiça política e desfalque nacional, para o resto do mundo. Por falar no presidente, bloqueei o seu perfil. Eu não sou presidente de coisa nenhuma e o único poder que usufruo continua a ser o de respirar e de escolher o que leio, que é a mesma coisa que dizer também o que como e o que penso, porque nestas matérias ninguém me obriga a comer o que não gosto. Se eu vivesse num país saudável e decente, daqueles países que considera as pessoas acima do nível do lodo, a minha mãe, por exemplo, teria medicação para dormir, disponível e não necessitaria transnoitar, só porque não quer sair de casa, nos seus oitenta anos. Que o aplicativo da Saúde 24 é muito bonito, mas inútil. Fico contente comigo, por não ser coisa nenhuma de importante, com pedigree, neste país e nem noutro. Porque se eu fosse, a educação seria obrigatória e noutros moldes, e o sistema teria que ser rompido, o sistema inteiro que reúne condições para a continuidade do desinteresse escolar, da discriminação, do tráfico de influências, das gorduras do poder, da falta de habitação e do patrocínio dos poderosos para a manutenção disto e, pela destruição da habitação social, substituída pela construção de luxuosos lofts que fazem render as bolsas de pequenas minorias elitistas, mas que torna os pobres mais pobres ainda. Os idosos, as crianças e os animais teriam políticas condizentes e rigorosas com o expectável. Se eu tivesse poder, teria vergonha e responsabilidade e a hipocrisia seria prescrita. Que é com a verdade que se constroem estruturas sólidas! Que isto de assumir cargos responsáveis só deveria ser permitido a quem se demitisse do seu ego e calçasse os sapatos dos que defende. Sinto tristeza. Pode um homem ter lido tantos livros e se manter o mesmo que antes de lê-los? Pode um homem andar a vender uma imagem pública de bem e escolher atalhos e práticas que em nada se coadunam com o compromisso nacional assumido? Poder pode, muito graças ao excesso de confiança e do próprio poder que lhes é dado, sem exigências de transparência por quem lhas atribui. Não basta ler livros, senhores poderosos, é necessário estarem dispostos a sacrifícios pessoais para contribuir para o todo.  E aposto que existe uma catrefada de livros que ensinam todas estas coisas, uns mais simples e outros mais elaborados, mas pode ter-se formação e ser-se um analfabeto afetivo. E isso, senhores poderosos, é o que mais prolifera, mundo afora. Assim, arriscamo-nos a ser mais um país subdesenvolvido. A inteligência emocional não se aprende nos livros, mas na vida. E passa por olhar para o espelho social e não o pessoal, pela previsibilidade de pensarmos os problemas a partir de nós, dos nossos, a fim de entendermos os outros. E que são os outros, senão os personagens que entregam a sua confiança junto com a sua ignorância na mão de personagens egoístas e profundamente hipócritas!? Os conflitos de interesses acontecem, mas é necessário mais do que subterfúgios por um lado, e dedos acusadores por outro, para combater e construir. Existem muitos personagens reais com quem eu não me importaria de tirar uma selfie, só para poder trocar ideias com eles, mas o senhor presidente nunca seria um deles. 

A propósito e para rematar, de um autor que diz o que pensa e com quem me identifico bastante, no plano das ideias e dos sentidos, Lobo Antunes e, em cujo tema não partilho da mesma opinião - não precisamos ser bons fodilhões para escrevermos -, como o autor parece ter dito acerca de outro autor, aqui, faço uma analogia comparativa concordante, é preciso ser-se um bom pai de família, um marido e um bom gestor doméstico para se representar um país, uma pasta, um ministério, uma pasta política, social ou económica. A experiência é uma grande valia. Não pode haver lugar a interesses conflitantes. Não me serve o poder. Sirvo o poder.  Refiro-me a ser gente, para poder servir gente a sério. E é por tudo isto que importa ler e ler e continuar a ler. Porque perspetivas não faltam para nos acrescentar, assim o permitamos. 

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