Da conceção à materialização progressista humana
Nascemos e esquecemos tudo lá trás. Muito embora recordemos, com nevoeiro cerrado, de onde viemos. E, consequentemente, para onde caminhamos. Tudo faz parte do assombro. Da maravilha de nascer na terra, num planeta em constante mutação.
Ao contrário do meu irmão, mais novo que eu três anos, recordo, não só dentro do útero, mas os primeiros anos de nascimento. E parece ser curioso para muitos, mas nunca o foi para mim. Daí a minha surpresa de, na maioria das pessoas com quem me relacionei, não guardarem memórias antigas, as primeiras. Talvez porque quem as recorde, necessite de compreender porque tudo se passa e com que propósito. Daí entender que a dor é a maior escada, a ponte de acesso para a empatia. A dor é oiro líquido que provém do fogo da essência ao se materializar. Nascemos dessa centelha de fogo, de uma chispa, e sim de um espermatozoide que encontra o seu caminho para a ovulação no útero disponível para esse efeito. Isso é a materialização. O amor materializa. É, portanto, o veículo de corporeidade aqui, neste plano. O corpo e o corpo. Dois corpos que se unem e materializam o corpo afim. Seria tolice dizer-se que todos somos provenientes do amor, neste plano. Tal não o é. Não da forma que entendemos o amor e o seu potencial de criação. A conceção é o processo biológico e genético que antecede e justifica a materialização do amor. Há quem tenha vindo através do estupro, que é a violência, ou seja, a antítese do amor. O avesso dele. E também quem nasça de uma forma articulada e programada pelas ciências, fazem disso caso os in vitro, os frutos de mães que, por qualquer dos motivos, se viram incapacitadas de engravidar de uma forma natural. Seja como for, todos nascemos da chispa, do momentus criador entre o óvulo e o esperma. Todos trazemos propósito. E todas as experiências que resultam da materialização entre o homem e a mulher, entre a ciência e o útero feminino, chegam até nós com propósito. A fonte tem propósito. A da evolução. E sim, a vida é um jogo de ócios e poderes, de confrontos e plenitudes.
Escrevo este texto para que possam entender, da minha perspetiva, tantos quantos não aceitem ou não vejam a criação da mesma forma que me é dada perceber. No canal uterino, o feto e a gestante estão unidos intrinsecamente e é tão intrínseco o processo entre ambos que quando encontramos uma grávida, se lhe perguntarmos quem é ela, ela dirá: sou a mãe do bebé que carrego no útero, ainda que sem nome. Sou uma grávida. Sou uma mulher gestante, sou um ser que aguarda outras partes de mim, mas sou completa. Inteira. Ou seja, se, por qualquer razão, a grávida tivesse que escolher entre a sua vida ou a do seu bebé, ela não aventaria mais a possibilidade de ser ela, sem o outro, o que carrega e que já traz uma identidade para o mundo, ainda que não tenha nome. Já traz uma filiação, um dispositivo interno de missão. Uma vida que se atravessa, interpõe, intercala, acrescenta ao que já existe. E esse feto, quando exposto diariamente a processos de trauma, nascerá, carregando esse trauma, muito embora, seja tudo inconsciente. Digo inconsciente porque o bebé, quando nasce não verbaliza as suas dores e angústias. Só quando a criança se estrutura na verbalização, pode re-lembrar e verbalizar, se se der esse caso. Muitos traumas são guardados no inconsciente porque produzem imensa dor. Conflito interno. Confusão. Os traumas podem conduzir a uma divisão de personalidade e a tantas outras perturbações que não necessitam de nome, de diagnóstico para se identificarem enquanto elementos de agressão face ao ser que as transporta. Mas que já são inputs de como viveremos o futuro da nossa existência. Quando vivemos um processo intrauterino, se soubéssemos verbalizar, provavelmente o faríamos, voluntariamente. E quando acedemos a essas memórias, tantas vezes, queremos acreditar que são sonhos que nos nasceram sem explicação ou, então, fatores que se justificam em vidas anteriores, mas que se encontram ligados, unidos intimamente a uma angústia. Chamamos-lhes matéria não identificada, que seriam, à luz do conhecimento (e da ignorância que ainda temos) contemporâneo, como chamamos aos ovnis, objetos voadores não identificados. Seriam, assim, ominis, objetos mentais internos não identificados. É tendência humana, face ao desconhecido, pelo menos, uma de duas atitudes. Com certeza, haverá mais. Ignorar, tentando esquecer, ou investigar, ainda que um campo desconhecido. Ou seja, atendendo à disponibilidade nas infraestruturas onde nascemos e ao material genético e inato que transportamos, escolhemos o que fazer com tais memórias. Todos canalizamos. Porque todos temos o canal aberto à fonte que "financia" o nosso estado de materialidade. Poderíamos falar, inclusive, de Deus, de espiritualidade, desse elemento vivo dentro de nós que nos guia e nos faz sentir completos ou incompletos na nossa caminhada. Os ateus são os bebés que, ao não conseguirem encontrar a causa da sua angústia, a atribuem à existência fatalista de um mundo sem propósito. Ou ao adulto que perdeu a noção da sua proposital ação. Onde a causalidade é, também ela, fatalista. Um acaso. Uma circunstância.
A vida experimenta-nos, provoca-nos, ensina-nos, capacita-nos a lidar com o "desconhecido", com o inconsciente de várias formas. são frases cliché as que argumentam que somos um corpo essencial, que nos vimos experienciar via matéria. O cliché, a forma mais simples de explicar a nossa existência. E assim é. O propósito pode ser conhecido precocemente ou tardiamente, ou então, durante o percurso da vida quotidiana, de uma forma sana, tranquila ou de uma forma acidental e sinuosa. A vida é uma imensa possibilidade e potencialidade. Não só para nós, humanos, mas para todas as formas de vida. O véu desvela-se aos que procuram saciar e evoluir. Aos que permanecem ligados à mente que nos mente, dificilmente, chegará. Conhecemos muitas pessoas racionais, existencialistas, materialistas que não concebem o divino, como sua origem. Atrever-me ia a dizer que a essas, talvez não surja o momento esclarecedor, ou chegando, o encontram tardiamente, o compreendem num leito de cama, quando se despedem dos que o acompanharam ou, quando se despedem dos seus restos mortais. A noção de identidade vê-se, assim, deturpada ou enviesada pela mente, pela parte racional. Nós somos o todo e no todo somos um. Assim como o mar que se não divide. Nós não viemos para dividir e sim para somar, para partilhar, para cruzar o mar e nos realizarmos para o todo. Não somos seres individuais senão na forma de chegar e de viver os carmas, para o propósito maior, que é o da evolução universal, trazemos a nossa individualidade que vai somar, servir ao todo. Esse é o maior propósito. O egoísmo é o polo negativo e recetivo do altruísmo. A violência é o polo negativo e recetivo do amor. Ao termos consciência de que ao sermos o eu, fomos concebidos para anexarmos a nossa experiência às sociedades e comunidades onde existimos, o senso de pertencimento e de partilha redescobre-se em nós. Eu, o meu self, a minha individualidade, a personalidade que nasceu de mim, por mais fatores que tenha atravessado e ultrapassado, continua a dizer de nós e não só de mim. Eu sou a soma de todos os que viveram antes de mim, dos meus ancestrais, dos meus semelhantes. Honremos a herança, através dos que transportamos para este plano. E quando entendermos a herança que nasce de nós, compreenderemos que, para além do self, que necessita de campo para se experimentar, para se melhorar, a evolução da espécie, das espécies, depende, em muito, da nossa capacidade de compreensão humana.
O amor é o resumo da nossa espécie, o motor, a força maior. Todos os seres concebidos através dele são co-criadores e co-responsáveis pelo todo, compreendendo que o todo não somos só nós, enquanto espécie, mas todas espécies que co-existem connosco. É nosso dever cuidar e capacitar da harmonia e do equilíbrio que nascem dessa compreensão. E aqui não há binómios. Só o amor incondicional atende à evolução e progresso. E só ele encontra maneira de combater radicalismos, poderes escusos e sofrimento. Atentem à forma de se relacionarem com os outros, com as dores dos outros e atentem, sobretudo, à conceção consciente e amorosa dos seres que irão povoar esta mesma terra, enquanto por cá andarmos e muito depois de termos voltado a casa. Esta será a residência temporária dos que vêm auxiliar e progredir. Só nessa consciência, poderemos eliminar as fontes de sofrimento e considerar o livre arbítrio dependente do todo. Nós somos todos um. O sofrimento que damos aos outros, consciente ou inconscientemente, se irá refletir no todo. La Palisse. Acordemos para a realidade circunstancial que nos foi ofertada para realizarmos o propósito maior. Amem os vossos iguais e protejam as próximas gerações através do amor. O valor mais alto que podemos almejar. O milagre da vida.
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