O modus operandi & a decadência das velhas estruturas
Hoje, dia 18 de Julho, geme o restolho, ainda, a lua cheia. A loba em mim uivou, escutando música até à meia-noite. Depois disso, a minha mãe quis recolher-se e dei-lhe a medicação e também eu dormi. Não tenho disposição para estudar, mas é isso que o meu pai me repete.
Pega no livro, repete, pega no livro, Cristina. E eu que gosto do livro, que sou apaixonada pela matéria do livro, não sou capaz de me dispor à leitura, quando a minha atenção não se consegue focar. E ponho-me música para o fazer, mas vou atrás da música e fogem-me as letras. Chama-se preocupação de futuro. Ou ansiedade. Ou decreto. Diário e concreto. Tenho recebido algumas mensagens que não tenho sabido responder e outras que me impedem de calar. E respondo nessas alturas. O mundo vive a conturbação que sabemos, que alguns de nós sabe. Porque os que pensam em ponto pequeno e se debruçam apenas e só sobre as suas próprias vidas ou a dos outros, não sabe que o mundo é uma bola de fogo. Querem apenas incendiar as vidas que creem conhecer. Torna-se necessário "destruir" o status quo atual ou ultrapassá-lo, sendo, linguisticamente, mais assertiva. Porém, a questão mantém-se a mesma. Não participar e anarquizar esse modus operandi que, para além de participar da obscuridade terrenal, celebrando o ter em detrimento do ser, vai mais além, cortando asas às gerações vindouras. Eu própria, que nasci em 68, venho obedecendo a padrões impostos por essa velha estrutura secular e decrépita. Não vás pro mundo, não vás para os teus sonhos, não voes, corta-te as asas e permanece no chão. Adia os teus sonhos, dedica-te aos outros, e entendo bem porque o fiz e, a culpa nunca é dos outros, mas é sempre forte em nós, o suficiente, para repetir padrões. E à custa disso, para não vir a ser como a minha mãe, que foi carreirista e esteve sempre ausente da vida dos filhos, aos meus filhos, quis fazer o contrário. Estar sempre presente. Formei-me, é verdade, estudei sempre, mas tentei sempre estar presente na vida deles, abandonando, portanto, a carreira em detrimento de acompanhar as suas vidas e, mais do que isso, preservar a família nuclear e os amigos. Sou de compromissos. Não é uma questão de culpas e nem de arrependimentos, mas se soubesse o que sei hoje, se tivesse parado para pensar, não iria procurar a estabilidade num terreno arenoso. É aqui que encontro as estruturas antiquadas e anacrónicas. O pensamento enraizado e decrépito que necessita cair. Porque as manipulações que se fazem com o outro, a tentativa de colonização dos outros, vomitarmos os nossos sonhos nos descendentes é mais maléfico do que poderemos ousar pensar. Fui colonizada. Tentei não colonizar. Aos meus filhos, nunca exigi nada. Quis que sonhassem, que fossem atrás dos seus sonhos, continuo a apoiar da forma que sei os sonhos deles e não me atravesso nos seus caminhos. Os meus filhos não são meus. Eu não sou minha. "Obedeço" a ordens superiores. Uma vez que tenho a consciência que não sou apenas este corpo material que a terra vai comendo. E nesse registo de imaterialidade que é a alma, a minha espiritualidade, reside a fé e a construção desta, que é, num termo mais entendível, os ensaios da mente para se experimentar a um mais alto nível, ou se preferirem, cumprir um propósito maior, que é quando a mente se alinha ao coração. Nesse pedaço de compreensão, no alinhamento, ele acontece quando sentimos que entramos no nosso caminho. A minha vida tem sido tentativa de acerto-erro, repetindo tudo isto até à exaustão. Agora que entendo que a estrutura velha me colonizou, agora que perdoo as limitações, minhas e dos outros, não abdico da minha fé, da minha opinião, mesmo que o mundo grite e imploda. Na lista de prioridades da minha alma, estou em primeiro lugar. Hoje. E exijo, finalmente, isso mesmo. Não aceito limitações e nem colonizações, não aceito obstáculos e nem emparedamentos, venham eles de onde vierem. Não podem dar-me o que nunca dei a ninguém. Esta é a minha posição e não me demovo. Não aceito beijar pessoas com as quais não me identifico, não convivo com toxicidade, não quero perto de mim pessoas de visão e pavio curto, não me cativam, há muito, as maleitas da hipocrisia e da sedução paliativa. Já as sei identificar. Estou acordada. Oiçam, eu respiro e não pertenço a nenhum rebanho. Sou humana, quiçá demasiado humana, para que me continuem a abduzir.
Sim, pai, vou estudar, mas, entretanto, preciso de dar vazão a todas as tarefas domésticas, recarregar o frigorífico e as satisfações dos outros, todas as tarefas domésticas que me capturam e embaçam a visão de futuro. Não tenho saúde para muito mais e continuo a preservar-me de todos os chacais que pretendem me impedir de me experienciar na totalidade, que é tudo o que intento fazer, não obstante todas as energias que pretendem o meu silêncio e se regozijam na minha dor. A minha fé é pessoal e intransmissível, nesse domínio, no da minha alma, não entram. Não podem destruir quem sou, apenas o que tenho e o que eu tenho, meus caros, é nada. Nunca pretendi ter, se para isso tivesse que passar por cima de outro ser humano. Nunca competi com ninguém e quando era preciso tal, eu virei as costas. O que veio a ser propriedade ou posse, veio atravessado por necessidades que se prendiam com a urgência de ter um teto para dormir e abrigar a minha família e, porque a lei do arrendamento era severa (e continua a ser) e, entre arrendar ou comprar, era mais "conciliável" comprar. À conta disso, de tudo isto, deste bolo que me pesa, construí a minha própria habitação no terreno da minha mãe, que me cedeu terreno para o fazer e investi aqui o dinheiro que tinha, enquanto trabalhava, dando aulas e consultas e todas as atividades laborais que me trouxeram aqui. Hoje, encontro-me desempregada, após ter sido maltratada no último casamento e expulsa do meu local de trabalho. Tomo conta da minha mãe de oitenta anos, e nem sequer tenho o estatuto de cuidadora informal porque a segurança social me disse, perentoriamente, que a minha mãe não tinha direito a apoio da segurança social por possuir rendimentos próprios que lhe permitiam pagar-me um salário. Não tenho salário. A reforma dela não é suficiente para me pagar o salário de estar 24 sob 24 horas, sem folgas e nem férias, a reforma dela é para pagar contas, dívidas e prover a alimentação e necessidades básicas, que aumentaram visivelmente, por motivos de saúde. Possuo um terreno com casa que continuo a pagar, outra vez, desde 2020, altura em que o meu ex-marido foi expulso por decreto judicial. A ele, a minha mãe teve que pagar, não o valor do investimento que fez, mas um valor simbólico, pois ele deteve a propriedade e usufruiu dela, desde 2012 até 2020, sem que eu o pudesse fazer. Tive que alugar residências, pagar alugueres, enfim, ser uma saltimbanca por a minha mãe ser muito amiga do meu ex-marido. Na altura em que pedi o divórcio pela primeira vez, ela assistiu à violência psicológica e à física que aconteceu apenas uma vez, no segundo casamento. Ainda assim, me disse que não contasse com ela, se me divorciasse. Ou seja, a chantagem emocional que sempre tive dela. Ela obedeceu aos padrões em vigor e tentou fazê-lo com os filhos. Ela própria, eu já não vivendo com ela, na altura em que tive uma loja no Porto, passou cerca de um ano a visitar-me na loja, chorando e pedindo me dinheiro porque os vampiros lhe comiam os juros, juntamente com o filho dela e o meu, com quem habitava. Não tinha dinheiro, sequer, para comprar pão. Obviamente, o dinheiro que eu ganhava na loja era para ela, depois de pagar a renda. Quando voltei de Inglaterra - fui trabalhar para lá, para me distanciar do casamento tóxico - de férias, depois de me ter desgastado a fazer manutenção das casas de Penafiel e do apartamento do Porto, e por exaustão, tive um enfarte de miocárdio. Não morri. Quando acordei e pude receber visitas, lá estava a minha mãe com o meu ex-marido. Foi quem ela chamou. Quando lhe disse que precisava que mandasse o meu ex-marido embora da propriedade, por precisar da minha casa, e ele estar a usufruir dela há tempo demais, ela disse-me que não. E voltou à chantagem emocional, se saíres com esse fulano de tal, não contes comigo para mais nada. Durante dois anos, enquanto vivi em Soalhães, a recuperar do enfarte, nunca recebi uma chamada telefónica ou visita dela e nem do meu irmão. A tia Carmen era a única pessoa com quem falava todos os dias, mais que uma vez por dia. Foi minha mãe, ela que nunca quis ser mãe, e minha amiga, muito além dos laços sanguíneos. Assim, a minha mãe foi conseguindo confirmar-me o que eu sabia há muito. Evitar repetir padrões. Não ceder a chantagens. Também ela se destacou da restante família no que diz respeito à carreira e à religião. Com algum sucesso, devo admitir, por ser a primeira a formar-se, no universo de 15 irmãos e 500 sobrinhos, e a não nos ter "obrigado" ao culto e tradição religiosa, por a ela própria nada lhe dizer a dita religião.
Dizer que quando saí de casa, da casa onde morou o meu pai e a minha mãe, antes dele e do meu irmão falecer, tinha dezassete anos. Que a minha mãe não descansou enquanto não me foi buscar, a mim e à minha família, pois já tinha o meu próprio filho. Alegando sentir-se sozinha. A chantagem emocional sempre funcionou comigo, pelos vistos. Não precede mais. Estanquei-a. Os meus filhos não sofrem de chantagem emocional, são livres, tanto quanto ousarem e quiserem, com o meu apoio incondicional, desde que a liberdade deles não seja a de passar por cima da liberdade de outros. Não ensinei a falta de escrúpulos. Nem de valores. O resto é da inteira responsabilidade de cada um. São dois homens, hoje. Não são iguais. Possuem do adn do meu pai, o sinal nas costas. Fisicamente, encontro-lhes algumas expressões semelhantes. Em termos de estrutura psicológica, não. O meu pai não era um modelo como marido, mas era-o enquanto pai e, sobretudo, enquanto ser humano. Generoso e cooperativo. Foram esses valores que tentei seguir e passar.
A minha fé é um pássaro que não se compraz na vida de cada um. O meu "eu" está ligado ao outro através de valores humanitários, mas não por motivos sanguíneos e, menos ainda, por falta de valores e de escrúpulos. Para esse departamento, nunca votei e não o farei. As minhas asas são invioláveis. A minha liberdade é, portanto, um bem imaterial que não pode ser destituído. Não estou à venda. Sou. Podeis tentar me roubar o material, mas o que não vedes, que é quem sou, só a mim e à fonte diz respeito. Não vos sou matéria de doutrinamento. Sou uma com o Zeca Afonso, o refrão da denúncia dos vampiros e da liberdade, enquanto forma de ser e estar neste plano. Sou uma com José Saramago, os agiotas e colonizadores não me comovem e não prevalecem, no que depende de mim. Sou uma com o José Régio, a Natália Correia e todos os que lutaram pelo bem comum, apraz-me ser anticonformista e de construção de pontes no coletivo. A minha liberdade é não ter nada e o meu capital é ser eu.
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