Alma Novaes
Viagem apoteótica
(tecer o sonho no grão)
Não fechei os olhos,
semicerrados, apenas,
ventanas para nenhures
e, toda a noite acordados,
ouvindo acordes,
dentro de poemas
que subiam
enquanto eu
descia ao inferno
de Dante,
a Georges Bizet
com a Carmen
mais adiante,
e muitos cigarros depois
a apoteose de opus 27 adagio
de Rachmaninov
e o Fantasma da Ópera
em memória
eu e tu somos história
que não acoplou
pelo tempo bizarro
de não mais ser nosso
só meu, o teu,
coração puro lento,
e o meu
cozido com bainha
stentista,
nem médico de cabeceira,
nem cardiologista
o derrotam!
Apoteose outra vez
e Lizst acompanhado
de xanax!
Nem o mago Merlin
nem ninguém
nem nada
nem assim
nem madrugada,
olhos esbugalhados,
sono nenhum!
e tu longe
e eu perto
a levar-te música ao
sono incerto,
só ou acompanhado,
e tu duro, pedra e cal
e tu, só, frio,
e eu nesse abandono!
e eu longe e tu perto
e nós, longe
de qualquer encontro,
exceto
nestes excertos
musicais,
nos meus sonhos
e ideais,
e essa resposta
cozinhada
de silêncio
de se não ouvir
sequer uma reticência,
nunca mais
eu aí e tu, algures
eu aqui contigo nos olhos
da memória
deste amor,
esgotada história
e o antrax
e o aforismo,
este abismo
de não encontrar
descanso, e cismo
de sonhar-te,
que te quero,
longe
de te sonhar monge,
e bem mais perto
do acentuado desconcerto
e decerto, louca vou
para mais um dia de cansaço,
onde te sonho e te abraço
mas só de olhos abertos.
Porque, se os cerro,
periga-me a alma
de não te encontrar
então não arrisco,
no sonho, eu berro
grito e mordo
até te
encontrar
e
tu...
foges
para longe,
para dentro
dess' outra mulher
que, creio, não te mereça
mas que compõe em ti
o preenchimento
(da ilusão, a peça
da graça que te preencha)
e desse nós
de relento,
tu encerrado
ao que invento
do que sonho
do que intento
Imagino essa rua
vazia
fechada,
cheia de obras
pontuais
na tua porta FECHADO
no teu coração encerrado
por decreto, já concreto
e, por ausência de sinais
mais que nunca,
esse jamais pronunciado
NUNCA MAIS...
como parto, como ficas
onde vivo?, onde vais?
é verdade que continuo
inteira,
guerreira,
das diretas que somo nos olhos
e no esqueleto!
mas o que eu dava
para que esta partitura
somasse
bem mais
apoteoses,
acordes em ré maior
enlaces em fá sustenido!
Guardo-te
inteiro, amuleto,
enquanto te fazes distraído.
E então, eu:
Desfaço-me de ti
des faço o teclado
concerta-me a nota do lá
lá num post it do passado,
com a nota de sol, ferida em mi
em mim,
e o si bemol determina
o fim do roland,
o fim de tudo
o fim deste prelúdio
no espírito,
no momento oportuno,
estúpido, insipido
martelo este teclado
sem defesa,
teimosamente
descompassado, ele
e eu descompensada
de beijos que já não dou!
não sou
a mesma, já!
só a lesma de tempo
a dividir-se em tristeza
angústia, frieza
desprezo
e silêncio
mas volto
para ser amor
dando um rumo à eterna saudade
que se não desprende
e na melodia dos pardais
não há giestas nem quintais
não mais, nem uma palavra
um fonema, um suspiro,
um dilema, um sussurro,
uma jura gasta,
deste absurdo de não mais ficar
a sobrar de menos
na espera!
até que morra
na casa oito,
compacta numa joia de cinzas
Com Netuno
em Escorpião
e Marte a expectar-se
com Plutão no teu desalinho.
E no céu, lá fora
o sol vai nascer
(em Julho)
urano trará conteúdo
mas fere-me a luz
porque prefiro a névoa
porque cogito
grito, penso e não reajo,
aceitando o fim?
Nina, encerra!
Aterra!
Teimosa
mente
sangrando
até esgotar
até me perdoar
que não tenho culpa
que sou a rosa
parida dos espinhos,
que não mereço glosa
nem prefácio nem
interstício
que me precipito
porque não desisto
desta partitura,
deste poema
em dó crescente
com uma lua pendurada
à espera de te ver chegar
Sou a estrada que te esqueceu
o meu caminho não consta
na tua app, do teu gps
o percurso que fazes
é noutra realidade
cidade, corpo, mulher
Eu fui
folha de rascunho
vazia
e amarrotada
a música
conduz
a minha espada,
tubo de ensaio
e todo o resto
resto de tudo ser nada
o que vier
será a minha casa
no meu amor
um golpe de asa
te apago no céu.
Não, não és meu
E o que para nós acabou
Em Schubert continua inacabado
e trauteio o lamento
o oitavo andamento,
folha rasgada do livro
que não pode ser escrito
a solo.
Edito-o mesmo assim
em branco, impresso
de cinzas, disperso
o beijo
o grito
este desejo aflito
de te observar
nas moitas dos
sonhos que só eu
alimento,
secretamente,
prolongando,
engrossando,
esta
agonia
em slow motion
Termino sem
over
pró in finito
com Mozart em requiem
para este coração
mirrado e despido
Mercúrio retrógrado
com Vénus na culatra
(valsa um passo à frente
e dois ao lado).
Para mim,
Júpiter envolveu-se
com Marte,
depois que Plutão entrou em ti,
só o sol, soro da verdade
renderá a noção
Saturno
aos trambolhões com
o meu nodo norte
salvará a bênção
e recompensará
a paciência
Que em Áries é lição:
ditando, do fim ao
recomeço,
o rocambolesco
da repressão
ao futuro esboço,
Que até à lavagem dos cestos
é vindima,
levo com
a estrela em cima, mas
só depois,
como cantou a Marisa Monte!
E agora toca o gongo
para o almoço,
e o meu consolo é ver no cabeço
a padroeira
que me batizou
a Nossa Senhora da Conceição,
e a Castelo eu vou
lá pró terceiro domingo de Agosto!
Mas antes Tabuaço
que é época de S. João,
a vinte e dois
rally papper
e ainda vejo o jumento
do balneário verde e branco,
o Bruno de Carvalho
de dj no evento
e bebo o Minho no Douro
na paisagem do destino
E se me corre bem,
ainda me sobra fôlego
para a festa da espuma
onde vou desposar
o fim
da estagnação.
E acordo e bato com a mão
na mesinha de cabeceira,
arroto a presunto e tu
não estás à minha beira...só depois!
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