Carlos do Carmo & Al Qabri Ramos

 



A estrela da sacerdotisa, 

a imperatriz e o Rei Salomão


É dor ter saudade. 

Uma dor fininha que vai 

engrossando com a idade,

é uma dor só minha 

de não ter tido a coragem 

para combater, vencer ou derrotar

e vem ela, 

essa ela, bradar bandeiras 

com o teu nome

e com o teu cheiro, 

recordar-me, a aleivosa

da história de quem és,

como se fora possível viver contigo

e esquecer a quem ama, 

todas as fissuras

todas as dores e amarguras,

todas as gargalhadas e risos,

toda a ternura e humor

todo o teu amor,

ela ardilosa cheia de glória

por te me ter roubado

a recordar-me do julgamento

 do Rei Salomão,

que eu te quero bem e feliz,

não sejas meu, meu amor

fica, então, a memória perpetuada

até ao futuro da próxima vida,

de cá de dentro no meu coração,

nunca conseguiste sair,

doce lembrança de continuares inteiro

único, único, único e não meio

na embriaguez de teres sido em mim

último, primeiro, derradeiro e 

e tão definitivo

como os maços de cigarro de Kentuckies

que nos matavam de tanto cuspir

sem filtros e nem proteção

de querer ir na contramão,

querer ser adulto a correr,

mas que nos alimentavam,

 a alma a crescer

de tão humanos éramos.

E agora, já velha e gasta

serena e novamente casta,

cansada e porque não dizê-lo,

resistente iconoclasta, 

olho as paredes em volta

sinto que há em mim

uma sacerdotisa que adivinha

que o tempo se está a esgotar

e que ainda me sobras tanto,

tanto de ti cá dentro

que não se esgota o pranto

de te ter perdido de vista

mas a estrela que foste em mim

continua viva

cheia de pontas

todas soltas

em chamas

de paixão

todas urdidas pelo consolo

de olhar o teu rosto de fogo

e nesta certeza de Deus,

neste clamor de urgência

te fizeste eterno e sem 

o teu físico retorno, 

e a minha triste paciência

ficaste-me estrela

a guiar-me os passos

a orientar-me a saudade

a gritar cá dentro

que foste e ficaste

enorme

incandescente

gigante,

que te perdi por um triz

mas oiço-te também

me cantares em sussurro

que os anjos me velam a lua

(a minha mão já não alcança a tua)

mas tu sim, estás em mim.

A imperatriz a perder-se,

a estrela a partir,

a correr, a rosa

e o espinho,

o menino

no ventre da sacerdotisa

que, sem glória,

há-de partir

mas é só quando a hora chegar

que se há-de finar.

Até lá, não. Tu não.

Tu ficarás nos anais da história.

E continuas a ser,

que foste e és

meu querido, cientista

meu amor, poeta 

 músico, cometa

e sendo óbvio e doloroso,

e sumamente triste sentir

que não te posso tocar e nem ver

que não te posso abraçar nem falar

e que estou sempre a adiar

esta dor que se não vence,

que se não cansa

de mexer comigo

de ter acordado a esperança

de vibrar na fé

tal como quando era criança,

 a sacerdotisa que sou 

guarda a estrela,

única bagagem necessária,

para qualquer viagem urgente

que se tenha de fazer, 

lá mais na frente

Dizer-te adeus é sempre 

morrer um pouco

e assim tem sido,

até que me cale,

esta é já a carta de trunfo na mão

que guardo e entrego a Caronte

a finalização de ir nas águas

que são minhas

onde me perdi, a fim de te achar. 



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