Transgredir por causas

 




Dizem-me que basta, que as minhas dores estão lá atrás e eu digo-te, a ti, mesmo que não me oiças, que nas mãos deles ainda estão adagas, que as minhas mãos vazias cheias de nada ainda aguardam a justiça, que os meus olhos continuam baços, e tu, meu amor, continuas agradado de mentiras, de fantasias e ruminações e planos que são construções bonitas e temporárias, amo-te sempre porque entendo que te subjugaste ao sistema, tal como a maioria, que se agradam de aparências, que simulam esperança numa sociedade doentia. 

Meu amor, as minhas mãos atadas, os meus olhos arrancam a venda dos teus olhos, e no silêncio das minhas palavras escritas nada encontras, nada vislumbras, e também tu permaneces no mais fácil, na covardia da estratégia delineada há muito! Não, não vou onde todos vão, não me entristeço na alegria, só não suporto a hipocrisia com que defendem e edificam a mentira, ascendendo-a a algo honrado e virtuoso, não comungo da triste heresia dos medíocres que se multiplicaram, desconhecendo a honrosa verga dos seus ancestrais, tristes ovelhas demagógicas, meu amor, também tu escolhes o atalho, o duvidoso, em detrimento do conteúdo elucidativo, da análise difícil, porém necessária, meu amor, com estrondo cairá tudo o que é vilipendioso, com estrondo se rasgarão os céus, com muito estrondo surgirão, de entre as vossas escolhas os vilões, que patrocinaram a mentira e o jogo com que subvertem ideais. Não, meu amor, não compreendo, e Zé Régio comigo, e todos os poetas, todos os estetas, todos os filósofos, todos na tomada de atitude para a nova consciência. Sim, meu amor, serão esmagadas tais crenças e apanágios da mentira que até agora só foi bem-sucedida porque muitos de vós escolheu o medo e a demagogia. E meu amor, poderei ir presa, sequestrada e tornada inválida, mas serei sempre a mesma, a eterna criança que idolatra valores e sentimentos, tudo aquilo em que acredita, mesmo que em nada me beneficie. Sim, meu amor, não sou tecnocrata, nem amiga de engodos, não me vendo ao sistema, não me compram com bolos, nem como erário público, não sou púdica e nem pública, mas sou eu em todos os entornos, que me rasguem o peito de balas, meu amor, que me sobrará carne e espírito, que me esmaguem nas jaulas onde prendem os miseráveis, mas, tal como a cesteira da montanha, não me calarão os pensamentos e deus me renderá nas palavras, e nunca dirão que são palas ao que trago de bom. Não me conquistam as pretensiosas falsidades desta sociedade adoecida. Sim, meu amor, esperarei dias claros, dias em que os teus olhos possam desmontar as alarvidades que tiveram que construir para vos enganar, sim meu amor, nesse dia, serei poesia. Nesse dia, meu amor, provarás, tu mais que ninguém, que só com amor e seriedade, compromisso e respeito se constrói a mais evoluída forma de progredir em sociedade. Não me convencem mais os que se dizem humanos, leio das involuções e entristeço-me por dentro. Regista, porém, meu amor, que são as últimas fações do degredo nesta terra. Quando a verticalidade, a ética, a moral se elevarem, acabou a época da progressão da mentira e do medo. E então, meu amor, ficarei agradada, pela evolução do todo.

Meu amor, seremos muitos, cada vez mais, cada dia mais, a lutar pela retificação e pelos ideais. Transgressora, pois que seja, mas só me vergo aos ideais, esses que edificam uma sociedade de oportunidades iguais.

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